sexta-feira, 27 de abril de 2012

Coluna Xingu Vivo no Dia do Trabalhador

Construir e participar do 1º de Maio Classista e de Luta!
 
 
 
Convocamos as entidades estudantis, populares e sindicais, classistas e de luta, insatisfeitos com o governo de Dilma-PT, a construir o 1º de Maio (terça-feira), Dia Internacional dos Trabalhadores, com um grande ato, que sairá do Centro Arquitetônico de Nazaré-CAN (Av. Nazaré), às 9h, rumo à Praça da República, Belém-PA.
 
Como não poderia deixar de ser, este 1º de Maio precisa refletir as lutas dos trabalhadores que se travam a nível internacional e nacional.
 
Os principais países capitalistas da Europa seguem na grave crise econômica que se estabeleceu desde 2008. Seus governantes aplicam pontualmente as medidas de ajuste fiscal determinadas pelo Fundo Monetário Internacional, que incluem arrocho salarial e retirada de direitos, em benefício de grandes banqueiros e empresários. O povo reagiu e foi pras ruas. Grécia, Espanha e Portugal, por exemplo, realizaram diversas greves gerais.
 
O norte da África e Oriente médio (Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen) preconizou grandes lutas, derrubando quatro ditadores no ano passado. Esta revolução ficou conhecida como Primavera Árabe. Hoje, a revolução avança para a Síria, pela derrubada do ditador Bashar Assad.
 
No Brasil, a política econômica do governo Dilma, PT, reproduz a mesma lógica dos governos europeus: arrocho salarial, cortes no orçamento das áreas sociais, privatizações, projetos de lei que retira direitos historicamente conquistados, etc, etc. Para se ter uma idéia, no início deste ano Dilma anunciou o maior corte no orçamento na história desse país: R$ 55 bilhões. E para os empresários da indústria, a presidenta destinou uma renúncia fiscal, pela segunda vez, de R$ 60 bilhões. Ano passado ela já havia destinado R$ 25 milhões de insenções fiscais aos empresários, através do Programa Brasil Maior. Muito importante destacar, também, o caráter do governo no que tange às reivindicações do movimento feminista. Recentemente, um projeto de lei que determinava a equiparação salarial entre homens e mulheres para a mesma função foi rejeitado pela liderança de Dilma no Senado, mostrando que o governo não tem avançado nas reivindicações e necessidades das mulheres trabalhadoras, só para citar um exemplo.
 
É neste contexto nacional e internacional que se dá o início das campanhas salariais das diversas categorias dos trabalhadores brasileiros. Há muita disposição em ir à luta, depois de muita frustração com o governo em 2011. As greves dos operários da construção civil nas obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte anunciam o clima das mobilizações que tendem a se acentuar. Os estudantes reagiram Brasil afora contra os aumentos abusivos das tarifas dos transportes públicos. Os docentes das universidades votaram nacionalmente pela deflagração de greve depois de o governo ter quebrado o acordo firmado na última campanha salarial. No funcionalismo público federal, foi criado o Fórum Nacional dos Servidores Públicos Federais, que reúne 31 entidades. Este fórum vem organizando a unidade dos trabalhadores para mobilizar e enfrentar os ataques do governo, possivelmente com uma GREVE GERAL já neste primeiro semestre. O CLIMA DE INSATISFAÇÃO É GERAL!
Por tudo isso, o 1º de Maio deve ter este caráter:
classista e de luta!
 
Tod@s ao Ato, 9h, no CAN !!!
Assinam esta convocatória:
CSP-Conlutas-PA
Unidos pra Lutar
Sindtifes-PA
Sinasefe-PA 
Sintsep-PA
Comitê Xingu Vivo
Grêmio Estudantil do Pedro Amazonas Pedroso
ARS (Ação Revolucionária Socialista)
 
Reunião realizada no Sinasefe-PA na qual estavam presentes os representantes das respectivas entidades.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Belo Monte: a barreira jurídica. Entrevista especial com Felício Pontes Júnior

“Onde não estamos vencendo é na área jurídica. Muitas decisões foram tomadas, por diferentes juízes ao longo de 10 anos, determinando a paralisação do licenciamento por ilegalidades, mas foram todas suspensas pelo Tribunal Regional Federal de Brasília, na maioria por decisão de seu presidente”, pontua o procurador da República no Pará.

Confira a entrevista.


As obras da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte recém começaram e a situação do município de Altamira, no Pará, é de “completo caos”, pois a população cresceu e os serviços públicos entraram em “colapso”, avalia Felício Pontes Júnior em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line

De acordo com o procurador, os movimentos contrários à construção de Belo Monte ganharam bastante visibilidade e conseguiram discutir o tema com a sociedade. No entanto, os dilemas concentram-se na área jurídica. Das 13 ações judiciais encaminhadas pelo Ministério Público Federal – MPF, por conta das irregularidades de Belo Monte, “apenas uma foi julgada no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e outras três julgadas na primeira instância. A maioria, portanto, não chegou a ser julgada ainda nem na primeira instância”, informa. A responsabilidade pela demora do julgamento, segundo Pontes Júnior, “é do próprio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que criou em 2011 uma vara especializada em feitos ambientais em Belém e ordenou que todos os processos de Belo Monte que tramitavam em Altamira fossem enviados para a capital”. Conforme explica, “a vara passou meses sem juiz titular e quando finalmente chegou um juiz para ficar, no segundo semestre do ano passado, ele discordou do Tribunal e devolveu para Altamira os processos, o que criou em muitos casos o chamado conflito negativo de competência, um incidente que atrasa ainda mais os processos”.

Na entrevista a seguir, o procurador também comenta a iniciativa da Advocacia-Geral da União – AGU, que no final do ano passado pediu seu afastamento dos processos relacionados a Belo Monte. “Na verdade a AGU não tem poder para determinar nada sobre a atuação do MPF. Ela fez uma representação contra o MPF no Conselho Nacional do Ministério Público para tentar me afastar do caso Belo Monte, como já tentaram de outras vezes. Acredito que seja uma tentativa de intimidar o trabalho do MPF. É aquela coisa: já que não se pode lutar contra acusação, tenta-se desmoralizar o acusador”, afirma.
Felício Pontes Júnior (foto) é procurador da República junto do Ministério Público Federal do Pará. Possui atuação nas áreas indígena, ambiental e ribeirinha, e é mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio.
Confira a entrevista.

IHU On-Line Segundo informações, a prefeitura de Altamira pediu ajuda às Forças Armadas para que seja instalado um hospital de campanha na cidade por conta do caos na saúde. Qual a atual situação da cidade?

Felício Pontes Júnior
– A situação é de completo caos, porque, tal como apontamos em ação judicial e também em recomendações, o Ibama não poderia ter permitido o início das obras sem o cumprimento das condicionantes impostas pelo próprio Ibama. As consequências ficaram muito claras agora, com a população crescendo e os serviços públicos em colapso. É uma irresponsabilidade que foi vista em Rondônia, repetida em Belo Monte e a sociedade brasileira não pode aceitar que se repita em outras obras, porque quem sofre, quem fica vivendo em situação de desespero são os mais pobres, justamente aqueles que precisam da proteção do Estado.

IHU On-Line Quantas ações judiciais em relação a Belo Monte ainda não foram julgadas pelo Supremo Tribunal Federal? Quais as razões da demora no julgamento?

Felício Pontes Júnior
– É preciso esclarecer que apenas uma das ações do Ministério Público Federal – MPF no caso Belo Monte chegou ao Supremo Tribunal Federal, justamente aquela que impediu que o licenciamento da usina fosse feito em esfera estadual. Quando o governo brasileiro retoma o projeto em 2005, obedece ao determinado pela primeira ação judicial, mas comete várias outras graves irregularidades que são apontadas pelo Ministério Público Federal em outras 13 ações judiciais. De todas essas, apenas uma foi julgada no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e outras três julgadas na primeira instância. A maioria, portanto, não chegou a ser julgada ainda nem na primeira instância.

Parte da responsabilidade pela demora no julgamento é do próprio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que criou em 2011 uma vara especializada em feitos ambientais em Belém e ordenou que todos os processos de Belo Monte que tramitavam em Altamira fossem enviados para a capital. A vara passou meses sem juiz titular e quando finalmente chegou um juiz para ficar, no segundo semestre do ano passado, ele discordou do Tribunal e devolveu para Altamira os processos, o que criou em muitos casos o chamado conflito negativo de competência, um incidente que atrasa ainda mais os processos. Por conta de todos esses problemas, solicitamos ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ que acompanhe de perto os processos de Belo Monte. A demora no julgamento pode tornar as ações inócuas.

IHU On-Line Em função de Belo Monte, o direito da natureza está sendo discutido no judiciário. Como juridicamente esta questão é abordada?

Felício Pontes Júnior
– A usina, de acordo com todos os documentos técnicos produzidos, seja pelo Ibama, pelas empreiteiras responsáveis pelos Estudos, seja pela Funai, o MPF ou os cientistas que se debruçaram sobre o projeto, vai causar a morte de parte considerável da biodiversidade na região da Volta Grande do Xingu – trecho de 100km do rio que terá a vazão drasticamente reduzida para alimentar as turbinas da hidrelétrica. Esse trecho do Xingu é considerado, por decreto do Ministério do Meio Ambiente (Portaria MMA n. 9/2007), como de importância biológica extremamente alta, pela presença de populações animais que só existem nessa área, essenciais para a segurança alimentar e para a economia dos povos da região.
A vazão reduzida vai provocar diminuição de lençóis freáticos, extinção de espécies de peixes, aves e quelônios, a provável destruição da floresta aluvial e a explosão do número de insetos vetores de doenças. Um trecho da nossa ação judicial sobre o assunto demonstra o ineditismo da tese: "Quando os primeiros abolicionistas brasileiros proclamaram os escravos como sujeitos de direitos foram ridicularizados. No mesmo sentido foram os defensores do sufrágio universal, já no século XX. Em ambos os casos, a sociedade obteve incalculáveis ganhos. Neste século, a humanidade caminha para o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos. A visão antropocêntrica utilitária está superada. Significa que os humanos não podem mais submeter a natureza à exploração ilimitada”. Espero que essa tese, inédita na Justiça brasileira, vença.

IHU On-Line Como você recebeu a notícia de que deveria ficar afastado das ações referente a Belo Monte por determinação da AGU? Como está este processo?

Felício Pontes Júnior
Na verdade, a AGU não tem poder para determinar nada sobre a atuação do MPF. Ela fez uma representação contra o MPF no Conselho Nacional do Ministério Público para tentar me afastar do caso Belo Monte, como já tentaram de outras vezes. Acredito que seja uma tentativa de intimidar o trabalho do MPF. É aquela coisa: já que não se pode lutar contra acusação, tenta-se desmoralizar o acusador. Não creio que isso possa surtir qualquer efeito.

IHU On-Line Deseja acrescentar algo?

Felício Pontes Júnior
– Do ponto de vista de comunicação, é certo que nós vencemos a guerra. Eles não conseguiram provar que Belo Monte é viável, nem mesmo do ponto de vista econômico, já que a usina deve ficar sem produzir energia durante uns quatro meses do ano, em virtude da diferença entre cheia e seca do Xingu. Graças às ações dos movimentos indígena e ambiental em vários pontos do país, a sociedade ficou sabendo a verdade sobre esse projeto, que é o mais caro do Brasil e vai ser pago por nós, brasileiros.

Onde não estamos vencendo é na área jurídica. Muitas decisões foram tomadas, por diferente juízes ao longo de 10 anos, determinando a paralisação do licenciamento por ilegalidades, mas foram todas suspensas pelo Tribunal Regional Federal de Brasília, na maioria por decisão de seu presidente. Nosso objetivo é que essas ações possam tramitar com rapidez para que cheguem ao Supremo Tribunal Federal antes do fato consumado.

Fonte: IHU

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Em defesa dos territórios e dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais populações tradicionais

Os bispos reunidos na 50ª Assembleia Geral (AG) em Aparecida (SP) divulgaram nesta terça-feira uma nota em defesa dos territórios e dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais populações tradicionais.
A informação é do Boletim da CNBB, 24-04-2012.

Diz a nota “Sem a garantia do acesso à terra, elemento base da cultura e da economia dessas populações, elas continuarão a sofrer opressão, marginalização, exclusão e expulsão, promovidas por empresas depredadoras, pelo turismo, a especulação imobiliária, o agronegócio e pelos projetos governamentais, como as grandes barragens, que têm invadido áreas cultivadas, alterando o ciclo da vida dos rios e provocando o despovoamento de suas margens”.

Os bispos lamentam o adiamento das demarcações e a exploração das terras dos povos tradicionais. Na nota, eles chamam a atenção para as condições do povo Guarani-Kaiwá, no Mato grosso do Sul, que estão vivendo “um verdadeiro genocídio”.

Em relação aos povos quilombolas, os bispos denunciam a morosidade no reconhecimento dos territórios. Para o presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Enemézio Lazzaris, o que mais tem preocupado a CNBB não é somente a demarcação das terras, mas a reintegração daquelas ocupadas indevidamente. “Nós precisamos da demarcação mas também do reconhecimento das terras que já pertencem aos índios e aos quilombolas”.

Dom Enemézio explicou que no Pará, Maranhão, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, são mais 50 dioceses com comunidades indígena. “Nesses locais temos uma corrida pela terra, se passa por cima de seus ocupantes, para que ela seja usada para o lucro, sem se levar em conta o meio ambiente e sem se respeitar as comunidades que ali sempre habitaram”.
Eis a nota
Nós, Bispos do Brasil, reunidos na 50ª Assembleia Geral, reafirmamos nosso compromisso com os povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais populações tradicionais, pelo fortalecimento de suas identidades e organizações próprias, na defesa dos seus territórios, na educação intercultural bilingue dos povos indígenas e na defesa de seus direitos.  “A partir dos princípios do Evangelho, apoiamos a denúncia de atitudes contrárias à vida plena em nossos povos de origem e nos comprometemos a prosseguir na obra da evangelização (...), assim como a procurar as aprendizagens educativas e de trabalho com as transformações culturais que isso implica” (cf. DAp 530).
A Constituição Federal de 1988, ao confirmar o direito territorial dos povos indígenas e das comunidades quilombolas, bem como dos pescadores artesanais e outras populações tradicionais, representou muito mais do que a necessária reparação do erro histórico da apropriação de suas terras e da escravidão. É o reconhecimento da sociedade brasileira de que para esses povos a terra e a água são um bem sagrado, que vai além da mera produção para sobrevivência, não se reduzindo à simples mercadoria. É patrimônio coletivo de todo um povo, de seus usos e costumes, assim como a apropriação dos seus frutos.
Ao Governo Federal, cabe o dever constitucional de reconhecer, demarcar, homologar e titular os territórios indígenas, quilombolas e das demais populações tradicionais, ressarcindo seus direitos, passo fundamental e determinante para garantir sua sobrevivência. Sem a garantia de acesso à terra, elemento base da cultura e da economia dessas populações, elas continuarão a sofrer opressão, marginalização, exclusão e expulsão, promovidas por empresas depredadoras, pelo turismo, a especulação imobiliária, o agronegócio e pelos projetos governamentais, como as grandes barragens, que têm invadido áreas  cultivadas, alterando o ciclo de vida dos rios e provocando o despovoamento de suas margens.
Lamentamos profundamente o adiamento dos procedimentos administrativos de demarcação, a invasão e a exploração das terras dos povos tradicionais. Chamamos especial atenção para as condições de confinamento e os assassinatos que vitimam o povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Um verdadeiro genocídio está em curso, maculando a imagem de nosso País como defensor dos direitos humanos.
Repudiamos, de modo veemente, o ataque desferido pela bancada ruralista e outros segmentos do Congresso Nacional aos direitos dos povos indígenas, consignados em nossa Carta Magna, através de proposta de emenda constitucional, a PEC 215/2000.
Em relação às comunidades quilombolas, preocupa-nos a morosidade no reconhecimento dos seus territórios. Rejeitamos a sórdida estratégia de questionar a constitucionalidade do processo de titulação de suas terras, de modo a impedir os trâmites legais que atendam aos seus legítimos anseios.
Conclamamos o Governo brasileiro ao cumprimento da Constituição Federal e dos instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, especialmente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT; à proteção dos direitos dos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e das demais populações tradicionais, como forma de pagamento da dívida histórica que o Brasil tem com esses povos, demarcando e homologando os seus territórios, impedindo sua invasão, em defesa dos mais pobres e vulneráveis em nosso País.
Sob a proteção de Maria, a quem invocamos como Rainha e Padroeira, Nossa Senhora Aparecida, confiamos a proteção do nosso povo que constrói, na fé e esperança, um Brasil verdadeiramente para todos.
Aparecida – SP, 23 de abril de 2012

Raymundo Cardeal Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva
Arcebispo de São Luís do Maranhão – MA
Vice-presidente da CNBB
Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília - DF
Secretário Geral da CNBB

terça-feira, 24 de abril de 2012

MPF recorre de decisão que autoriza retomada de obras na hidrelétrica de Teles Pires

O Ministério Público Federal recorreu, nesta segunda-feira, 16, da decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que autorizou a retomada das obras da Usina Hidrelétrica de Teles Pires. O presidente do TRF, Olindo Menezes, suspendeu a liminar concedida pelo juízo federal da 2ª vara – MT que paralisou as obras da usina e invalidou a licença ambiental do empreendimento, a pedido do MPF.

A ação civil pública ajuizada pelo MPF visava à suspensão das obras até que o Congresso Nacional realizasse consulta aos povos indígenas Kayabi, Mundukuru e Apiaka, afetados pelo empreendimento. Para o órgão, a construção da usina trará danos irreversíveis, dentre eles, o alagamento da corredeira Sete Quedas, considerada sagrada pelos indígenas e impactos relacionados a reprodução de peixes migratórios, essenciais para a base alimentar dos índios.

O juiz de primeira instância acatou ação e suspendeu o licenciamento da Usina de Teles Pires e as obras, sob pena de multa diária de R$ 100 mil reais. O Ibama recorreu ao TRF1 alegando que a decisão fere o seu poder de polícia ambiental  e que  todas as exigências para a concessão da licença foram cumpridas. Além disso, argumentou que as comunidades indígenas sofrerão impactos apenas indiretos, já que o empreendimento não está localizado em terras pertencentes aos índios. 

O TRF 1ª Região acatou o recurso do Ibama e suspendeu a execução da liminar. Segundo o entendimento do desembargador federal Olindo Menezes, não é atribuição do poder judiciário nem do MPF examinar as condições técnicas e emitir ou negar licença ambiental a instalação de hidrelétrica. Menezes também sustentou em seu voto que a paralisação das obras atenta contra a ordem e a economia públicas, pois prejudica a ampliação do parque energético do país.

O procurador regional da República Marcus da Penha recorreu da decisão ao TRF1 e pediu anulação das licenças prévia e de instalação da Usina. No recurso, o representante do MPF ressalta que o aproveitamento de recursos hídricos ou de exploração mineral que afetem terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, conforme determina a Constituição. Segundo ele, “não há nos autos, notícia de que a oitiva das comunidades indígenas tenha sido prévia e perante o Congresso”. Outra tese defendida é a de que as audiências públicas realizadas não responderam a todos os questionamentos feitos pelos índios, nem ficou claro como foram respondidos pelos representantes do governo.

No  recurso, Marcus da Penha também enfatiza a importância das corredeiras de Sete Quedas para os povos indígenas Kayabi e Munduruku, reconhecida pela Funai em parecer técnico. “Além da referência simbólica do local enquanto elemento da cultura daqueles povos, deve ser preservada sua riqueza ecológica, por ser um berçário natural de distintas espécies”, defende o procurador.

A Corte Especial do TRF1 irá julgar o pedido do MPF.

Processo nº: 00186259720124010000

Assessoria de Comunicação
Procuradoria Regional da República da 1ª Região
Telefone: (61) 3317-4583

terça-feira, 17 de abril de 2012

Belo Monte demite 60, agride e manda prender trabalhadores


Uma liderança grevista foi demitida e agredida por um segurança privado do consórcio. Outro, que aparecera em vídeo participando da greve em gravações internas feitas pela empresa, foi demitido e posteriormente preso sem explicação pela Polícia Militar
Por Ruy Sposati
Presença policial durante greve dos trabalhadores de Belo Monte (foto: Ruy Sposati)
BLOG DA AMAZÔNIA – O Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), responsável pelas obras da terceira maior usina hidrelétrica do planeta, na região de Altamira (PA), demitiu ao menos 60 operários que participaram da última greve que paralisou a obra por sete dias, entre os dias 5 e 12 de abril.
Uma liderança grevista foi demitida e agredida por um segurança privado do consórcio. Outro, que aparecera em vídeo participando da greve em gravações internas feitas pela empresa, foi demitido e posteriormente preso sem explicação pela Polícia Militar – segundo os trabalhadores, chamada pelo consórcio, enquanto dormia em um dos alojamentos do CCBM.
Segundo depoimento de trabalhadores, cinco teriam sido demitidos porque assinaram ata de fundação de uma Associação de Operários, conforme diz um documento que teria sido entregue ao sindicato e à direção do consórcio. Seis trabalhadores teriam sido desligados por participarem da comissão da greve. O restante teria saído por ter aparecido em filmagens realizadas por encarregados da firma.
Francenildo Teixeira Farias, carpinteiro e membro da comissão da greve, conta que foi pedir explicações no escritório do RH da empresa, e lá foi agredido. Ele teria sido demitido por ser grevista, por ter participado da fundação da nova associação e também por participar da comissão.
- Um segurança tentou tirar meu crachá de todo jeito, querendo me obrigar a assinar a quita [demissão]. Eu disse que não, que não aceitava porque não era uma demissão justa. Aí ele veio pra cima e me deu um soco na nuca – relata Francenildo, que registrou boletim de ocorrência na delegacia da Polícia Civil de Altamira.
Segundo membros da comissão, outros nomes com demissão confirmada seriam o do pedreiro Wanderson Correa, dos apontadores Fábio de Souza, Moisés Ferreira Silva, Claudevan da Silva Santos e Diego Dias Louredo. Também foram demitidos Fábio Karan e Raimundo Nonato Diniz, que não é da comissão.
Polícia faz papel de mediadora na greve
Em documento assinado por trabalhadores e um de seus dirigentes, o Sindicato da Construção Pesada do Pará (Sintrapav) comprometeu-se a “assumir a responsabilidade pela comissão caso haja algum tipo de retaliação, perseguição, ou algum tipo de perca (sic) financeira”.
Pauta
O Consórcio Construtor Belo Monte nega que as demissões tenham relação com manifestações. Em nota à imprensa, divulgada na sexta-feira (13), a empresa noticiou que “diferentes pontos foram avaliados e acordados entre as partes”.
Os pontos indicados são a “instalação do Sintrapav nos canteiros”; “melhorias nas condições de transporte; melhorias no sistema de pagamento de salários – que no início do mês levou à uso de violência e a prisão de um trabalhador; e disponibilidade de sinal de celular a partir de maio.
Duas das principais pautas – o aumento da cesta-básica (que hoje é de R$ 95) e a redução dos intervalos de baixada (visita do trabalhador à sua cidade de origem) ficarão para a próxima rodada. As outras não foram citadas.
A negociação, prevista para iniciar no dia 10, foi adiada cinco vezes. O CCBM, em conjunto com o sindicato, restabeleceu uma comissão de trabalhadores para abrir a rodada de negociações.
- Isso é fachada porque 80% da pauta não foi sequer falada. A gente não aprovou nada, só ouvimos. O sindicato não voltou pra base com a gente pra apresentar e votar que a empresa propôs. Isso era o certo. Agora, eles falaram na imprensa, soltaram um panfleto nos sítios dizendo que tá tudo certo – acusa um trabalhador que permaneceu na comissão, mas prefere não se identificar.
 

Três dias na vida de Marabazinho

O operário Raimundo Nonato Diniz, conhecido há 18 dias por "Marabazinho"
Sexta-feira, 13. Raimundo Nonato Diniz, 29 anos, soldador, é um dos 60 demitidos pelo CCBM. Trabalhava no sítio Belo Monte, maior canteiro da obra. Foi apelidado de Marabazinho – diminutivo para Marabá, onde deixou a mulher e filhos, embora tenha nascido no Maranhão. Esperou 25 dias por uma vaga. Trabalhou 18. Demitido sem justa causa.
- O encarregado mandou eu ir pro escritório, disse que ia me dar as contas porque tinha me visto numa gravação feita durante a última greve. Quem tava na filmagem nos dias da paralisação foi mandado embora. Havia muita perseguição com os funcionários que foram vistos nas filmagens. Eles fizeram questão de filmar cada um que tava na greve, pra poder mandar embora. Junto comigo, saíram umas 60 pessoas que estavam reivindicando direito, transporte, baixada – relata Marabazinho.
“Sequestro”
Domingo, 15. Às 22h, Marabazinho dormia no quarto. Chega a Polícia Militar e a tropa de choque no alojamento conhecido como “Bacana”, no início da estrada estadual que vai de Altamira ao perímetro urbano de Vitória do Xingu.
Seguranças privados do alojamento conduzem os policiais até Raimundo, que é jogado no chão, algemado e levado, sem camisa, para a caçamba de uma das picapes policiais. Diversas testemunhas presenciaram o fato. Meia hora depois da ocorrência, um vídeo que registrava a prisão do trabalhador chega às nossas mãos.
Às 23h30, os investigadores no plantão explicam que Marabazinho havia sido preso em flagrante pela Guarda Municipal, nadando no rio Xingu, fugindo de um crime que teria cometido minutos antes: tentativa de assalto da filha de um policial civil. Mostramos a foto de Raimundo. O investigador confirma ser ele o homem, mas diz que o nome é diferente. Mostra a arma do crime – uma faquinha de pão com cabo de plástico.
Segunda-feira, 16. Por volta do meio dia, o delegado diz que Marabazinho está para ser liberado, e que o suspeito da noite anterior não era ele, e sim um José qualquer. Também explica que não foi nem será lavrado qualquer boletim de ocorrência.
Libertado, Marabazinho conta:
- Pisaram a minha cabeça, me empurraram. Deram uma gargantilha no meu pescoço, me algemaram com brutalidade. Dá pra ver as manchas no meu braço e na minha perna.
Sobre José, com quem foi confundido, Raimundo conta que também é trabalhador do consórcio. Foi acusado – e aí a versão se altera, da madrugada para a manhã – de ter tentado roubar uma moto.
O proprietário da moto, contudo, teria menos de 18 anos, e preferiu retirar a queixa. José alega que estava indo trabalhar quando começou a ser perseguido por guardas municipais e nunca na vida pilotara uma moto. Também foi liberado da delegacia. Também não foi feito boletim da ocorrência.
- Esse aí foi preso por desordem. Mas o nome dele não tá no caderno – diz um policial qualquer, referindo-se a Marabazinho – e também ao fato de que não houve boletim de ocorrência ou auto de prisão em flagrante.
E o soldador deixou a delegacia sem saber porque entrou ou saiu.
- Foi a pior noite da minha vida. Nunca tinha sido preso. Fiquei de pé até as 4 horas da manhã, sem canto pra dormir no meio de outros 19 presos, sem comer e sem beber água.
O vídeo de sua detenção ilegal e sua própria memória são suas únicas provas em seu favor. A maioria de seus colegas tem receio em testemunhar a seu favor, com medo de sofrerem retaliação. Sobre isso, Marabazinho conclui:
- Se eu tivesse fichado [contratado] ainda, e estivesse dando entrevista ou depoimento, hoje mesmo eu estaria na rua. A perseguição aqui é muito grande com pessoas que querem melhoria pra gente. Pessoa aqui não pode reclamar de nada, não. Se reclamar, eles mandam logo pra rua.


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Ruy Sposati
Assessor de Comunicação/Media Coordinator
Movimento Xingu Vivo Para Sempre - xinguvivo.org.br
Altamira, Pará - Brasil

skype: ruysposati
mobile: +55 (93) 9173.8389

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Complexo de Hidrelétricas no Amazonas deve desmatar e afetar 112 mil pessoas, diz estudo da EPE

Complexo de Hidrelétricas no Amazonas vai atravessar unidades de conservação, afetar terras indígenas e provocar desmatamento
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentou na semana passada em Manaus (AM) o inventário que propõe a construção de sete usinas hidrelétricas na bacia do rio Aripuanã, afluente do rio Madeira, nos Estados do Amazonas, Mato Grosso e uma área menor de Rondônia, representando uma potência total de 2.790 MWh. No Amazonas, estão previstas as construções de quatro usinas: Prainha, Sumaúma, Cachoeira Galinha e Inferninho, na região dos municípios de Apuí e Novo Aripuanã, sudeste do Estado, distantes 453 e 227 quilômetros de Manaus, respectivamente. A bacia é considerada umas áreas mais preservadas da Amazônia.
A reportagem é de Elaíze Farias e publicada pelo jornal A Crítica, 15-04-2012.
Os estudos, que estão sendo analisados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) há quase um ano e prestes a ser aprovados, estimam impactos negativos significativos em oito unidades de conservação federal e estadual onde se registra uma grande diversidade de espécies animais e vegetais e em pelo menos cinco terras indígenas (no Amazonas, a TI atingida deverá ser a Tenharim do Igarapé Preto).
Aproximadamente 112 mil pessoas deverão ser atingidas. No Amazonas, este universo estimado é de 640 famílias (Prainha) apenas em um dos quatro projetos de usinas. Elas deverão ser deslocadas de suas áreas. Há também registros de um significativo número de sítios arqueológicos e áreas de forte potencial mineral.
Navegação
Está também prevista a inundação média de 400 quilômetros quadrados  em cada área de barragem construída, segundo apurou a analista ambiental do Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc), Geise Canalez, que participou da reunião.
Um dos impactos mais preocupantes é com a restrição à navegação do rio Aripuanã, tributário do rio Madeira. Geise Canalez diz que o projeto de hidrelétrica vai impactar diretamente cerca de 200 quilômetros de rios navegáveis no Amazonas, o que representaria comprometer a economia do Amazonas e o escoamento da produção daquela região.
O complexo prevê quatro usinas no rio Aripuanã e três no rio Roosevelt,  que nasce no Mato Grosso, próximo da divisa com Rondônia, e deságua no rio Aripuanã (AM). Elas farão parte do Sistema Interligado Nacional (SIN), formado por empresas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte.
Os municípios do Amazonas cujos territórios vão sediar quatro das sete usinas não serão atendidos pela energia gerada. Apuí e Novo Aripuanã compõem sistemas isolados, à base de termelétricas a diesel. O Amazonas também não deverá receber cobertura. Manaus será conectada ao SIN quando os 1.800 do Linhão do Tucuruí, cuja usina fica no Pará, for concluído, provavelmente em 2013.
Unidades
Algumas das áreas protegidas a ser impactadas constituem o Mosaico de Apuí e o Parque Nacional dos Campos Amazônicos, conjunto contínuo de unidades de conservação que  integram o Mosaico da Amazônia Meridional. A UC mais impactada vai ser o Parque Nacional Campos Amazônicos (unidade federal), que será atravessado por obras das usinas de Prainha e Cachoeira Galinha.
Aline Roberta Polli, analista do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e coordenadora do Parna Campos Amazônicos, explica que em termos ecológicos a bacia situa-se na região de transição entre os biomas Cerrado e Amazônico, em área fronteira à intensa pressão antrópica (ação humana) coincidente com o denominado Arco do Desmatamento.
“Apesar dos índices crescentes de desflorestamento, a região apresenta importantes remanescentes florestais, representados por tipologias variadas, resultando em uma das mais importantes  áreas preservadas da Amazônia Legal nos estados de Mato Grosso e Rondônia”, disse Aline.
“Casa Suja”
Embora tenham sido apresentados oficialmente há alguns dias, os estudos de inventário, já estão em análise pela Aneel desde junho de 2011. Na última sexta-feira (13), a assessoria de imprensa da Aneel confirmou que o estudo “será aprovado em breve” ou “nas próximas semanas”.
A apresentação do inventário provocou desconforto nos participantes do seminário. Entre os vários questionamentos feitos estão a falta de consulta aos órgãos estaduais e federais que já atuam na bacia do rio Aripuanã, o uso de dados estatísticos defasados, a aplicação de modelos inadequados para a especificidade do ecossistema do Amazonas e o desinteresse em divulgar o seminário para um maior número de participantes.
“A região é muito rica em biodiversidade que está em estudo. No Mosaico do Apuí, por exemplo, mas de cinco possíveis novas espécies de peixes foram encontradas em 2008, além de espécies de primatas, aves e o próprio ambiente de contato Cerrado-Floresta Amazônica que é único no Estado”, disse a analista Aline Roberta Polli.
Para Geise Canalez a base de avaliação do estudo realizado é inadequada para a realidade do Amazonas, não trará benefícios e deixará apenas “a casa suja”.
Ela diz que o único “ponto positivo” apresentado pela EPE sequer chega a ser positivo de fato, pois o que foi apresentado – repasse financeiro aos municípios atingidos pelas obras – é, na realidade, compensação ambiental dos impactos gerados, previstos em lei, e não benefícios.
“A gente se assusta devido aos exemplos ruins dos outros projetos na região que não estão dando certo. E eles não estão trazendo benefícios para a região. Fazem menção a uma linha integrada de distribuição de energia elétrica que não atende a região Norte, pelas suas dimensões. Que deve demorar mais 20 anos e não há garantia de que vai atingir o Estado inteiro”, diz.
População
Geise defendeu para o Amazonas a elaboração de uma estratégia de menor impacto, com construção de empreendimentos em áreas menores e matriz energética apropriada.

Gabriel Carrero
, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam) e consultor do Mosaico do Apuí, destacou que as usinas vão causar “um grande impacto na região e que, ainda assim, a energia gerada não será usada na região”. Ele criticou “um maior contato” entre os autores do inventário e a sociedade, além de articulações e participações de órgãos ambientais, sobretudo com o Conselho Estadual de Meio Ambiente.
“Em termos de impacto ambiental, somente para Apuí e Novo Aripuanã, está previsto um contingente de 20 mil pessoas. Mas depois que terminam as obras, estas pessoas tendem a ficar na região. O impacto do uso da terra é esperado que aumente o desmatamento”, disse.
Alternativas
O sub-coordenador do Centro Estadual de Mudanças Climáticas (Ceclima), vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS), Anderson Bittencourt, especialista em energia e fontes renováveis, considera importante os estudos de inventário para conhecer o potencial energético da região, mas se disse contra o modelo de hidrelétricas que afetam a população local.
“Além de não estarem incluídas nos projetos de desenvolvimento, permanecem sem o principal resultado esperado da obra, o suprimento elétrico. Isso mostra que o planejamento da matriz energética deveria ser mais diversificado, distribuindo melhor os impactos e as oportunidades socioeconômicas que existem, tais como, o aproveitamento de outras opções de geração de energia, como turbinas hidráulicas e energia de biomassa e solar, ao invés de sempre optar por grandes obras hidrelétricas, que não é uma alternativa ambiental viável a longo prazo”, comentou.
Ele defendeu a ampliação das discussões das usinas hidrelétricas na Amazônia para que as ideias que no passado justificavam essas obras, hoje possam passar pelo conhecimento da sociedade local, e não apenas de especialistas que mostram seu ponto de vista técnico.
Bittencourt ressaltou ainda que o modelo de geração de energia explorado na bacia do rio Aripuanão não atende às necessidades dos municípios de comunidades do sul do Amazonas. Segundo ele, para isto ocorrer, será necessário um modelo híbrido de pequena escala, como é o caso energia solar, energia da biomassa ou energia hidrocinética.
Anderson Bittencourt criticou o modelo de desenvolvimento do governo federal “a qualquer custo” e disse que isto precisa ser mudado. Ele destacou que, no Brasil, 30% da energia gerada são gastos por empresas que consomem muito (fábricas de aço e de alumínio, principalmente) e que todas as empresas presentes na Amazônia, e que usam a energia de Tucuruí, são produtoras de alumínio, que é exportado. “Fala-se em desenvolvimento econômico, mas a fabricação industrial é direcionada para essa produção e para a exportação”, observou.
SIN
Segundo Anderson Bittencourt, o sistema brasileiro é dividido em quatro grandes subsistemas, além de diversos sistemas isolados – Subsistema Sudeste/Centro-Oeste, Subsistema Sul, Subsistema Nordeste, Subsistema Norte e Sistemas isolados da Amazônia.
A partir de 2014, a cidade de Manaus, será conectada ao SIN. Serão 1.800 quilômetros de extensão pelo meio da Amazônia, ligando a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a Manaus, no Amazonas, sustentadas por dezenas de torres de cerca de 300 metros.
Apenas 3,4% da capacidade de produção de eletricidade do país encontram-se fora do SIN, em pequenos sistemas isolados localizados principalmente na região amazônica.
A Bacia do rio Aripuanã é considerada no Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, com o potencial de geração a ser aproveitado no horizonte de  2015.
No PNE 2030 indicam que para o atendimento à demanda de consumo até o horizonte  de 2026, o potencial hidrelétrico dessa bacia deverá ser totalmente aproveitado.

EPE

A reunião ocorrida em Manaus, segundo a assessoria de imprensa da EPE, consistiu na Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Rio Aripuanã. Esta considera o conjunto de aproveitamentos hidrelétricos que compõem a alternativa de divisão de quedas selecionada nos Estudos de Inventario.
A assessoria disse que o inventário hidrelétrico tem como finalidade exclusiva avaliar o potencial hidroenergético de uma bacia hidrográfica por meio de identificação e seleção de um conjunto de aproveitamentos (usinas hidrelétricas) que apresentem melhor atratividade sob o ponto de vista energético, econômico e socioambiental.
Os estudos continuem a primeira etapa do ciclo de implantação de uma usina. As etapas seguintes são estudos de viabilidade do aproveitamento, incluindo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e obtenção de Licença Ambiental Prévia (LP), leilão de energia, Projeto Básico e o Projeto Executivo para implantação do empreendimento.
De acordo com a assessoria, para a reunião em Manaus, foram convidados vários órgãos, como Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, IBAMA, Agência Nacional de Água (ANA), Fundação Nacional do Índio (Funai), ICMBio, Ministério Público Federal (MPF), Ministério dos Transportes/ANTAQ e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Funai
Procurada para se manifestar sobre os impactos em terras indígenas, a Funai respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que tomou conhecimento do inventário e está analisando. Segundo a Funai, mesmo que o estudo aponte potencial em terras indígenas, dentro delas não pode haver exploração enquanto o artigo 231 da Constituição não for regulamentado. “Quando um empreendimento é efetivado e pode afetar terras indígenas, a Funai se manifesta sobre a influência que pode haver para os povos indígenas. Antes disso não temos como nos manifestar”, disse o órgão.
(Ecodebate, 16/04/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

sábado, 14 de abril de 2012

OEA cobra novas explicações do Brasil sobre violações de direitos

Por Verena Glass,
de São Paulo

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), notificou o governo brasileiro nesta quarta, 11, para que preste esclarecimentos sobre a situação das comunidades tradicionais da bacia do Rio Xingu, afetadas pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Esta é a segunda notificação do governo, já cobrado a se explicar em abril de 2011.

Entre as informações solcitadas pela CIDH, estão esclarecimentos sobre alterações na qualidade da água do rio Xingu, que estaria provocando problemas à saúde de comunidades tradicionais e indígenas, e sobre o processo de remanejamento de agricultores e outras populações tradicionais, que estariam sofrendo violações de seus direitos. Além disso, a CIDH requer também que o governo informe o andamento da implantação das medidas mitigatórias dos impactos da construção da usina.

A notificação do governo foi uma resposta a denúncias encaminhadas à CIDH pelas organizações Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH),  Justiça Global, Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS) e a Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente (AIDA), com foco principal nas terras indígenas Paquiçamba e Arara, diretamente afetadas pelas obras de Belo Monte.

Em janeiro, com o primeiro barramento do Xingu, os indígenas começaram a ter problemas com a qualidade da água. O Ministério Público Federal já encaminhou uma analise independente da qualidade da água ao Instituto Evandro Chagas , mas os resultados ainda não foram publicados. De acordo com o MPF, este monitoramento deve ser continuo devido ao perigo de contaminação do rio pela usina.

A falta de um plano de reassentamento para comunidades afetadas pela construção de Belo Monte é outro problema denunciado à CIDH. Além da falta de um plano, há comunitários que aceitaram valores de indenização abaixo do mercado por suas terras, porque não possuiam o título formal, e existia o receio de serem expulsos sem direito a qualquer valor.

Foi o caso dos moradores da comunidade Santo Antônio, onde existiam 252 propriedades de pequenos agricultores, mas apenas 26 deles possuiam o título formal das terras. Em um dos casos, o agricultor recebeu R$ 6.957,23 de indenização por 362,51 metros quadrados de terra, avaliados no mercado em R$ 21.750.

A partir da notificação, o estado brasileiro tem o prazo de 20 dias para apresentar à organização internacional os esclarecimentos solicitados. “A ação da CIDH visa, principalmente, fazer com que o Estado brasileiro cumpra com os tratados internacionais de defesa dos direitos humanos, e, no caso de Belo Monte, há inúmeros indícios de que esses direitos estão sofrendo violações”, diz a advogada da SDDH, Roberta Amanajás.
 

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Carta de Trinidad - A luta é o caminho

O Conselho Internacional (CI) do Fórum Social Pan-amazônico (FSPA), fórum do qual fazem parte diversas organizações e movimentos sociais dos nove países da Pan-Amazônia, reunido durante os dias 02 a 04 de abril de 2012, na cidade de Trinidad, departamento de Beni, Bolívia, decidiu realizar o VI FSPA entre os dias 01 e 04 de dezembro de 2012, na cidade de Cobija, departamento de Pando, Bolívia. O dia 05 está reservado para a reunião do CI/FSPA.

A tríplice fronteira amazônica, unindo Bolívia, Brasil e Peru, será um importante elemento na construção do VI FSPA. O intercambio de serviços de hospedagem, transporte e alimentação facilitarão a realização do evento. A interculturalidade existente entre os povos destes países, que possuem problemas sociais, econômicos, ambientais e políticos correlatos, contribuirá nos debates e encaminhamentos que nos possibilitarão seguir juntos, lutando contra todo tipo de opressão colonialista, patriarcal, neoliberal ou neokeynesiana. O compartilhamento de experiências, apoio e articulação entre as organizações da sociedade civil, e até entre as autoridades governamentais locais, já ocorre. Tudo isso fortalecerá tanto o FSPA quanto a participação das delegações de Equador, Venezuela, Colômbia, Suriname, República Cooperativa da Guiana e Guiana, sob dominação francesa, além de Brasil, Peru e Bolívia, já citados.

A Mãe-terra, como nunca antes, corre um grande perigo. A exploração dos rios, da floresta, das riquezas naturais, da vida, intensifica-se. O sistema capitalista faz de tudo para implantar no coração da Pan-Amazônia uma nova forma de colonialismo e extrativismo. Dedica-se a construção de gigantescas hidrelétricas, estradas, grandes projetos de mineração, monocultura, agronegócio, violando o direito territorial de povos indígenas e comunidades tradicionais, acelerando as mudanças climáticas, promovendo a pobreza. Apresenta-se agora o capitalismo verde, propondo a mercantilização da natureza e privatização dos bens comuns. REDD, REDD Plus, REDD+, REDD+ Indígena, Créditos de carbono. Mentiras, ilusões e falsas soluções sendo vendidas aos povos. Enquanto isso, aplaudindo com entusiasmo, satisfação e criando leis para institucionalizar esse novo estágio do capitalismo, está a maioria dos governos nacionais, fieis escudeiros do capital.

A crise civilizatória também está presente na Pan-Amazônia. Processos de desintegração levados por grandes planos como IIRSA e PAC, este último do governo brasileiro, intensificam a destruição social e toda a biodiversidade das florestas amazônicas, desconsideram as seculares práticas econômicas que garantem, inclusive, segurança alimentar aos povos, ignoram a histórica cultura indígena, de pescadores, ribeirinhos, trabalhadores rurais, quilombolas, entre outros. As práticas do desenvolvimentismo capitalista implantam relações de gênero opressoras, machistas, patriarcais, homofóbicas. Criminalizam os protestos e encarceram as suas lideranças, no campo e na cidade, produzindo assassinatos e milhares de presos políticos no mundo todo. Em relação a essas violações expressamos nosso repúdio e exigimos a imediata libertação de todos, homens e mulheres, detidos por defenderem os bens comuns e os direitos humanos.

Com heroísmo os povos da Pan-Amazônia resistem, defendem seu modo de vida, sua autodeterminação. Reivindicam Estados Plurinacionais que construam a unidade na diversidade, e lutam por alternativas políticas de justiça e igualdade. O Bem-Viver, construído pelos povos indígenas com a sabedoria de seus ancestrais, é um ótimo exemplo. Praticam arte, cultura, comunicação e educação popular e intercultural, não sexista, não racista. Fortalecem o consumo justo, a democracia, a garantia de direitos. Enfrentam conflitos e dão visibilidade a inúmeras experiências exitosas em toda a Pan-Amazônia.

Com a intenção de apresentar todas essas experiências, debater temas diversos e encaminhar ações durante e após o VI FSPA, o Conselho Internacional aprovou os seguintes eixos temáticos: Colonialismo, neo-extrativismo e desenvolvimentismo; Impactos da crise mundial na Pan-Amazônia: caminhos e alternativas; Defesa e exercício pleno dos direitos na Pan-Amazônia; e Arte, cultura, comunicação, educação e luta social na Pan-Amazônia.

Seguiremos estas orientações e assim, com unidade, fraternidade, confiança e respeito mútuo, construiremos o VI FSPA. Apoiamos a Cúpula dos Povos, evento que se realizará no mês de junho no Rio de Janeiro, Brasil, onde serão definidas ações em direção a outro modo de vida. Lá, certamente, nos encontraremos. Finalmente, seguiremos apoiando o exemplo de nossos irmãos e irmãs indígenas do Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), Bolívia, que lutam, sempre iluminados por seus antepassados, contra a sangria de seu território ameaçado por mais um grande projeto capitalista, desenvolvimentista. Apoiamos e apoiaremos, incondicionalmente, a IX Marcha Indígena em Defesa do TIPNIS.

Companheiras e companheiros, o tempo é curto, o trajeto é longo, mas lutar é começar a vencer.

VIVA A LUTA DOS POVOS DA PAN-AMAZÔNIA
VIVA O FÓRUM SOCIAL PAN-AMAZÔNICO
VIVA O VI FSPA

Trinidad, 04 de abril de 2012
Conselho Internacional do Fórum Social Pan-amazônico

terça-feira, 10 de abril de 2012

Protesto em Washington é só o começo das criticas ao Brasil, avisam ativistas

http://www.xinguvivo.org.br/2012/04/09/protesto-em-washington-e-so-o-comeco-das-criticas-ao-brasil-anfitriao-da-rio-20-diz-ativista-americano/

Na manhã desta segunda, 9, cerca de 100 pessoas participaram, em Washington, EUA, de uma marcha e um protesto contra as políticas anti-ambientais e anti-sociais do governo brasileiro – mudanças no Código Florestal, a hidrelétrica de Belo Monte, paralisação da reforma agrária, e principalmente o abandono das lideranças sociais da Amazônia ameaçadas ou assassinadas em função da luta pela floresta. A manifestação ocorreu no mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff se encontrou com seu colega Barack Obama.
De acordo com Andrew Miller, ativista da ONG Amazon Watch, a marcha recebeu muito apoio dos passantes no trajeto até a embaixada brasileira, onde ocorreu o protesto. “Era hora do rush, 9:30 da manhã, e as pessoas buzinavam e acenavam. Foi ótimo”.
Segundo Miller, os manifestantes resolveram não protestar em frente ao hotel onde Dilma estava hospedada porque não havia informação sobre a agenda da presidente. “Fomos pra frente da embaixada, onde sabíamos que os funcionários veriam o ato; e vários carros oficiais tiveram que atravessar o protesto para entrar ou sair do prédio. Ou seja, temos certeza de que o governo brasileiro tomou conhecimento da manifestação”, explica.
Com várias faixas e cartazes, os manifestantes denunciaram o que consideram políticas perversas do governo brasileiropara a Amazônia e na área ambiental, e prestaram comoventes homenagens às lideranças sociais que foram assassinadas na última década por defenderem a floresta, suas terras e seus direitos.
“Temos duas mensagens importantes para o Brasil: uma é que este ato é só o começo das críticas às políticas ambientais e sociais do país que receberá a Rio + 20. A outra é para os familiares das lideranças assassinadas, como Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo (mortos há quase um ano em Nova Ipixuna, no Pará, por lutar contra madeireiros ilegais), e para os povos afetados por Belo Monte: estamos solidários a vocês, nos importamos, vocês não serão esquecidos e as suas causas são as nossas. Como não tivemos acesso à agenda oficial dos presidentes Dilma e Obama, esperamos que a imprensa tenha feito alguns questionamentos. Garanto que fizemos um bom trabalho de divulgação das nossas denúncias e causas”, explica Miller.
Banners
Nos cartazes, faixazs e banners, a manifestação em Washington listou denúncias e protestos como:
Sem Medo de Dizer Não Á Bancada Ruralista
A Amazônia e seus Povos Querem Viver: Chega de Matar Ativistas!
O Novo Código Florestal: Veta, Dilma!
Rio-20: Cadê os Direitos Humanos no “Capitali$mo Verde”?
Brasil Exporta Sangue e Destruição da Amazônia
Brasil: Proteja a Amazônia – Pare Belo Monte
Reforma Agrária: Por Justiça Social e Soberania Popular
AOrdem É Acabar com Latifúndio
Progresso É Acabar com Trabalho Escravo
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segunda-feira, 9 de abril de 2012

O povo "à jusante" de Belo Monte. Artigo de D. Erwin Kräutler

 ""Verdade é que um rolo compressor está passando por cima de todos nós. A promessa que Lula pessoalmente me deu no dia 22 de julho de 2009, segurando-me no braço e afirmando "Não vou empurrar este projeto goela abaixo de quem quer que seja" foi pura mentira. Falou assim para "acalmar" o bispo e livrar-se deste incômodo religioso que recebeu em audiência. O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo!", escreve D. Erwin Kräutler, bispo do Xingu, narrando a visita pastoral, realizada no último mês de março, às comunidades do interior de Porto de Moz.

Segundo ele,"o pessoal da Norte Energia é para lá de arrogante. Se o colono não desocupa o seu sitio, a Justiça dá ordem de despejo e manda a polícia em cima do pobre, pois a Norte Energia considera toda a região propriedade sua e os moradores, que lá vivem desde os tempos do bisavô, invasores".
Eis o artigo.
Há doze dias vivo a bordo do barco "Teresinha". Estou visitando as comunidades do interior de Porto de Moz. Não há telefone e muito menos existe acesso à Internet. Faz um bem enorme ficar de vez em quando sem essas comodidades. Tem-se a impressão de estar em outro planeta. Mas as pessoas queridas que encontro ao longo da viagem e que há décadas conheço e amo são a prova de que continuo no mesmo planeta Terra e na "minha terra" que é o Xingu. A primeira vez que singrei as águas dos rios, furos e lagos de Porto de Moz foi em janeiro de 1968. Lembro os antepassados do povo que agora me abraça. Revejo em muitos rostos os traços de seus avós. Antigamente as famílias vieram a remo. Hoje um motor "rabeta" diminui mais o tempo da viagem. Mesmo assim têm que enfrentar, às vezes por horas, um sol escaldante ou chuvas torrenciais.

O encontro com o bispo segue sempre o mesmo esquema. Começa com abraços, cantos, poesias, salva de palmas. Um ambiente festivo e descontraído, sem formalidades, etiquetas e protocolos. Sinto-me em casa. "Vós todos sois irmãos" (Mt 23,8). Também o bispo é irmão! É nestas ocasiões que mais me realizo como pastor, no meio dessa gente que amo e que - eu sei disso - também me ama. Todo mundo se conhece. Essa é uma das mais belas características das Comunidades Eclesiais de Base. Não há estranhos.

Faço questão de primeiro ouvir o povo, escutar a sua história, ser informado a respeito de suas esperanças e angústias, avanços e derrotas. São coisas alegres, estórias pitorescas, "causos" que partilham comigo, mas também assuntos tristes, experiências dolorosas. Sempre me admiro que esse povo, apesar de viver uma vida dura e penosa, nunca perdeu a alegria. Sabe sorrir! Aliás, que sorriso límpido, espontâneo, cativante! Nada postiço, só para agradar o bispo.

Falam do salão comunitário que conseguiram construir, da capela que pintaram, das reuniões semanais, do culto dominical e da novena que não deixaram de celebrar. Revelam também problemas familiares. Alguém denuncia a invasão de geleiras para roubar o peixe, até na época da piracema. "Vem com malhadeiras de malha tão fina que nem alma passa". Outro relata com orgulho experiências que fazem com as Reservas Extrativistas comunitárias, mas reclama do IBAMA que cai em cima deles por causa de uma tartaruga que pegam, enquanto faz vistas grossas diante das geleiras, do escandaloso roubo de madeira, de desmatamentos e outras agressões ao meio-ambiente, como por exemplo Belo Monte. "Aí dá até todas as licenças para acabar com o nosso Xingu".

Passo, em seguida, do papel de ouvinte para entrevistado. Jovens e adultos me bombardeiam com perguntas de todo tipo. Assuntos internos da comunidade, do setor, da paróquia, mas também da "conjuntura" econômica e política. Em todas as comunidades, a pergunta principal é sobre Belo Monte. Querem saber detalhes, já que o bispo vem de Altamira, do centro do monstruoso projeto.

"Bispo, será que ainda tem jeito de impedir essa desgraça? Ouvimos falar que estão tocando Belo Monte a todo vapor. Dizem que o governo já gastou muito dinheiro e assim certamente não dá mais para parar a obra. Que o Sr. acha?"

O que realmente devo responder a esse povo? Decido "abrir o verbo", sem meias-palavras:

"Verdade é que um rolo compressor está passando por cima de todos nós. A promessa que Lula pessoalmente me deu no dia 22 de julho de 2009, segurando-me no braço e afirmando "Não vou empurrar este projeto goela abaixo de quem quer que seja" foi pura mentira. Falou assim para "acalmar" o bispo e livrar-se deste incômodo religioso que recebeu em audiência. O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo! E Altamira virou um caos em todos os sentidos. Nada do prometido saneamento básico, uma das condicionantes do IBAMA para dar licença para iniciar a obra! Não tem leito nos hospitais, não há vaga nas escolas, homicídios na ordem do dia, prostituição a céu aberto no centro da cidade. Os aluguéis de uma casa simples pularam de 300 para 2.000 Reais. Os preços de alimentos triplicaram. O transito é uma calamidade. Acidentes a toda hora".

"O que mais vou dizer a vocês? Fui várias vezes "ver" o canteiro de obras, quer dizer, queria ver, porque não me deixaram entrar, mas vi de longe os estragos já irrecuperáveis. Rezei missa com as comunidades ameaçadas de despejo. Os grandes fazendeiros receberam indenizações, mas o coitado do pequeno produtor e agricultor não sabe o que vai ser dele e de sua família. Arrasaram com uma vila inteira: Santo Antônio. O pessoal da Norte Energia é para lá de arrogante. Se o colono não desocupa o seu sitio, a Justiça dá ordem de despejo e manda a polícia em cima do pobre, pois a Norte Energia considera toda a região propriedade sua e os moradores, que lá vivem desde os tempos do bisavô, invasores."

"E para onde vai toda essa gente?"


"Pois também eu quero saber. Prometem solução, mas nunca dizem que tipo de solução, onde, quando, de que jeito."

"E o povo de Altamira?"


"Muita gente está com o coração despedaçado. Até comerciantes e empresários que antes colaram em seus carros adesivos "Queremos Belo Monte" andam hoje cabisbaixos. Quem pode contra a fúria da "Norte Energia"? Aliás "Norte Energia" é o próprio Governo, antes Lula, agora Dilma. Nunca houve diálogo com o povo daqui, nem com índios, nem com ribeirinhos, nem com o povo da cidade. O governo traiu o povo que o elegeu e ri-se de quem defende os índios, os ribeirinhos, os pobres atingidos pela barragem. Fala de preço a ser pago pelo progresso. Só que esse preço sacrifica o nosso povo e não as famílias de políticos em Brasília. Um terço de Altamira vai para o fundo e o resto vai ficar à margem de um lago podre, criador de carapanã e causador de dengue e malária".

"E os índios? É verdade que estão a favor da barragem?"


"Não digo que estão a favor da barragem, estão a favor dos presentes que recebem. Muitos deles que antes viviam abandonados pelo governo e entregues à própria sorte, hoje têm todas as contas pagas no comércio, recebem cestas básicas e combustível e outros benefícios. O governo que negou aos índios se manifestarem em oitivas previstas em lei, agora se esmera em entupi-los de dinheiro para fechar-lhes a boca. Antigamente enganou-se os índios com espelhos e bugigangas, hoje milhões de reais são injetados nas aldeias para paralisar a luta indígena e cooptar as lideranças. O preço é muito alto. Não se mata mais índio a ferro e fogo. O dinheiro farto é a punhalada traiçoeira no coração das culturas indígenas e de sua organização comunitária. E o governo afirma em alto e bom som que nenhuma aldeia será alagada. Aldeia não será alagada, sim! O que a Norte Energia faz, é cortar a água aos índios e ribeirinhos da Grande Volta do Xingu. E o povo da Volta Grande vive e sobrevive da pesca. E tem mais. O que vai acontecer com uma aldeia a poucos quilômetros do canteiro de obras onde trabalham milhares de homens? É muito triste! Dá dó!"

"E nós? Como é que nós vamos ficar, nós que moramos abaixo da futura barragem? Ou, como essa gente de Brasília fala, 'à jusante'?"

"Bem, vocês sabem o que acontece se fazem uma tapagem no igarapé. Acima da tapagem, o que acontece?"

"O igarapé alaga a terra firme!"

"E abaixo da tapagem?"

"Ora, o igarapé seca!"

"Pois é. O Xingu abaixo da barragem vai baixar de nível e os igarapés e afluentes também. Há trechos em que o Amazonas vai entrar no leito do Xingu e nossos peixes que não se dão com a água barrenta do Amazonas vão morrer."

Por um bom tempo o povo ficou apenas me olhando e não me fez mais nenhuma pergunta. Também a conversa já passou da hora. Já é hora de almoço.

A celebração eucarística está programada para as 14 horas. A liturgia está preparada, os cantos escolhidos e as leituras ensaiadas. "Vai ter crisma" avisa-me uma catequista "e a turma precisa ainda se confessar com o bispo". Nada de vexame! Aqui ninguém é escravo do relógio. Terminada a confissão, outra catequista me informa: "As meninas precisam ainda se empiriquitar". Já são lindas por natureza, de traços indígenas ou ascendência negra, mas querem realçar ainda mais sua beleza. Há também senhoras entre as crismandas, com crianças pequenas. Uma me pergunta se pode, mesmo gestante, se crismar. "Sem dúvida, querida! O Espírito Santo descerá sobre você e a criança debaixo de seu coração!"

Apresento os crismandos a toda a comunidade chamando cada um(a) por seu nome: "Senhor, aqui estou!" é a resposta às vezes bem forte, outras vezes um pouco tímida, acanhada. Depois de dois anos de preparação para o sacramento, sabem que a resposta que recorda o que o Profeta Isaias falou quando Deus o chamou: "Eis-me aqui, envia-me" (Is 6,8) significa o compromisso publicamente assumido com a comunidade. No rito da imposição das mãos convido também catequistas e dirigentes para realizar comigo este gesto que remonta ao tempo dos apóstolos quando enviaram discípulos para anunciar e testemunhar o Evangelho (cf. At 13,1-4). Durante a unção com o santo crisma a madrinha ou o padrinho coloca "a mão com que assina o nome" no ombro da afilhada ou do afilhado selando com este gesto uma aliança: "Você pode contar comigo, não apenas hoje, mas pelo resto da vida!". Estou convicto de que muitos padrinhos e madrinhas realmente assumem um compromisso sério e não estão aí como personagens mudas que entram em cena só para figurar. Dou-me conta disso especialmente quando, depois da unção, a crismada ou o crismado pede a bênção de sua madrinha, de seu padrinho. É um momento comovedor. Graças a Deus, o nosso povo não tem vergonha de mostrar suas emoções.

O mais lindo nestas viagens, além do encontro com esse povo bom e simples, é conviver tão de perto com a criação de Deus. Doze dias se foram, desde que partimos de Altamira. A última noite da viagem passamos ancorados na boca do Rio Maxipanã, afluente do Xingu abaixo de Souzel. Chegamos ao entardecer. Cedo atei a minha rede. Noite calma e tranquila, sem carapanã. Acostumei-me a acordar antes do sol raiar e assim desfruto sempre do privilégio de ver o dia nascer.

Como é sublime essa hora matutina. As estrelas deixam de cintilar. As trevas se dissipam. O céu no oriente começa a alvorecer, mas a escuridão ainda predomina. A rubra claridade da aurora enfrenta as trevas. De minuto em minuto a cor purpúrea é mais suavizada com tonalidades acajus e alaranjadas.

O rio ainda dorme. Exala uma bruma esbranquiçada que cobre, como se fosse um véu, a várzea.

Na terra-firme da outra margem guaribas já uivam seu louvor matinal ao Criador. Cada bando tem o seu "capelão". É barbudo. Aqui o chamam de "gorgo". Dizem que as fêmeas permanecem em piedoso silêncio enquanto os gorgos bradam seu salmo milenar. De repente param, como se Deus tivesse lhes passado uma ordem. Silêncio.

Agora se ouve melhor o canto dos pássaros com suas melódicas modulações, umas mais graves e fortes, outras mais contidas e suaves. Chilreiam suas cantigas, também milenares. Um é apelidado de "peito de aço" porque seu assobio é tão forte que assusta a quem estiver por perto. Ouve-se o arrulho esperançoso das rolinhas. Pombinhas selvagens gorjeiam animadas sua saudação ao novo dia. Lá longe uma voz solitária e monótona de uma ave que não sei identificar. Sua cantiga parece com o cuco, aquele pássaro dos Alpes que canta só na primavera. Falam mal dele. Dizem que bota seus ovos em ninho alheio para outra mãe chocar. Não assume a responsabilidade por seus filhotes. Em vez de ficar preso ao ninho, imóvel em cima de ovos, prefere curtir uma vida de vagabundo e voar desimpedido para cantar aqui e acolá.

O sol já alcançou altura, mas ainda é um disco pálido por trás da neblina. Cada vez mais impõe o seu fulgor. Enquanto o primeiro raio não rasgar a cortina, pode-se vê-lo a olho nu. A bruma rapidamente se desvanece e o rio, a selva e os campos à sua margem, respiram o ar límpido de uma manhã ensolarada. O Maxipanã revela agora sua cor clara, contrastando com o verde-esmeralda do Xingu e a floresta ostenta sua fascinante exuberância nas múltiplas matizes de seu verdor.

Que maravilha! "Os céus narram a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra de suas mãos. O dia transmite a mensagem a outro dia, e a noite conta a notícia a outra noite" (Sl 18,2-3).

Pena que os homens não se deixam mais encantar pela obra de Deus. Vedaram seus olhos e taparam o ouvido. Não enxergam mais as flores, nem ouvem mais o canto dos passarinhos. O sol e lua não nascem, nem se deitam mais! É a rotação do planeta Terra, pronto! Contemplar a natureza é perder tempo e dinheiro. Tudo é matéria prima para fazer negócios. Tudo vira mercadoria a ser explorada, ser comprada e vendida, exportada e consumida! Por isso os homens derrubam e queimam a floresta, represam e sacrificam os rios, assassinam os animais da mata, envenenam as plantas e os pássaros.

Os homens perderam o coração. Tornaram-se insensíveis, brutos, cruéis. Decidiram matar a vida.

Boca do Rio Maxipanã, São Pedro, março de 2012