terça-feira, 29 de outubro de 2013

NESA descumpre determinação judicial

A Norte Energia está DESCUMPRINDO a decisão judicial.
Em nota divulgada na tarde de hoje, o consórcio afirma:

"Apesar da Norte Energia não ter sido, até o presente momento, formalmente intimada da decisão proferida por desembargador do TRF 1ª Região e sim por e-mail, no dia de ontem (28/10/2013), a empresa informa que ao longo desse dia detalhou todas as providências cabíveis  para que de forma planejada possa dar cumprimento ainda no dia de hoje da decisão judicial. Atualmente, as obras da Usina contam com um efetivo de mais de 20 mil trabalhadores. Neste sentido, qualquer paralisação das obras demanda um plano de contingência com segurança, garantindo a integridade física dos operários, logística de desmobilização e serviços essenciais como a  alimentação, transporte, segurança e atendimento médico."
Fonte: http://norteenergiasa.com.br/site/2013/10/29/nota-a-imprensa-29102013/

A notícia da decisão do Desembargador Souza Prudente, do TRF-1, foi tomada na sexta-feira, dia 25/10, e logo começou a ser divulgada. O "sistema de segurança e informação" da empresa certamente já tinha conhecimento. Entretanto, mais uma vez, tentam postergar o cumprimento de decisões judiciais que lhes sejam desfavoráveis.

Informações recebidas de moradores de Altamira confirmam que os operários ainda continuam na obra.

Nas redes sociais uma pergunta começa a ser feita:
"Qual a desculpa que vão arrumar para não pagar a multa diária de R$ 500 mil? Vão alegar que suspenderam as obras às 23h59 do dia de hoje?"

PARE BELO MONTE!!!!!!!!!

Justiça determina paralisação das obras em Belo Monte


BNDES não pode repassar nenhum recurso para projeto Belo Monte enquanto não forem cumpridas as condicionantes
28/10/2013 às 11h07

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, ordenou na última sexta-feira, 25 de outubro, nova paralisação das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, por ilegalidade no licenciamento. O desembargador Antonio Souza Prudente considerou procedente a ação do Ministério Público Federal (MPF) ajuizada em 2011 que questionava a emissão de uma licença parcial para os canteiros de obras da usina, contrária a pareceres técnicos do próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A licença foi concedida sem que as condicionantes da fase anterior, da Licença Prévia, fossem cumpridas.
O desembargador determinou “a imediata suspensão do licenciamento ambiental e das obras de execução do empreendimento hidrelétrico Belo Monte, no estado do Pará, até o efetivo e integral cumprimento de todas as condicionantes estabelecidas na Licença Prévia, restando sem eficácia as Licenças de Instalação e as Autorizações de Supressão de Vegetação já emitidas ou que venham a ser emitidas antes do cumprimento de tais condicionantes”, diz a decisão. O desembargador ordenou ainda ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que não repasse nenhum recurso para Belo Monte enquanto não cumpridas as condicionantes. 
Para o desembargador Souza Prudente, “as pendências existentes em relação ao licenciamento ambiental em referência vêm sendo indevidamente transferidas, desde a sua fase inicial, para as fases subsequentes”. “A seguir essa reprovável prática, certamente deverão ser transferidas para a fase seguinte (Licença de Operação), sem qualquer perspectiva de que um dia serão efetivamente implementadas”, diz na decisão. Para Prudente, isso revela “flagrante ausência de compromisso da empresa responsável pelo empreendimento com as questões socioambientais e ele atreladas”.
A decisão do TRF1 já foi notificada ao Ibama e à Norte Energia S.A, responsável pela usina. Como fica anulado o licenciamento, as obras têm que parar, enquanto as condicionantes não forem cumpridas. A multa em caso de descumprimento da decisão é de R$ 500 mil por dia. 
“Está claro que não se trata de questionar a opção do governo federal por um modelo energético. Menos ainda, de ser contra o desenvolvimento do país. Mas de afirmar que não há opção quando se trata de cumprir a lei”, disse a procuradora da República Thais Santi, que atua em Altamira e lida diariamente com as graves consequências do não cumprimento das condicionantes da usina. “A decisão de suspender Belo Monte”, afirma, “nada mais é do que a afirmação de que todos, inclusive (e acima de tudo) o estado, devem respeito à lei. E de que, com instituições independentes, não haverá espaço para o estado de exceção, e menos ainda, para que a exceção se torne a regra”, afirmou. 

Íntegra da decisão
Processo nº 9681920114013900
Fonte: MPF/Pará

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

ATAQUE AOS POVOS INDIGENAS, CRIMINALIZAÇÃO DE ATIVISTAS SOCIAIS E A ALIANÇA DO BISPO DE ITAITUBA-PA COM O CAPITAL

 
A retomada do projeto desenvolvimentista pelo governo brasileiro, paradigma atualizado e agora caracterizado como liberal-desenvolvimentista, tem causado temor e grande preocupação entre os povos indígenas, ativistas, movimentos sociais, e moradores da floresta, dos rios e das cidades amazônicas.
 
Dados do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração apontam que, entre 2001 a 2011, a produção mineral cresceu 550% no país. Praticamente no mesmo período, entre 2002 e 2012, o número de indígenas assassinados cresceu 170%. Foram aproximadamente 560 índios assassinados no Brasil, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
 
O Plano Decenal de Expansão de Energia 2019, elaborado pelo Governo Federal, propõe a implantação (entre 2015 e 2019) de mais de 60 Usinas Hidrelétricas, a maior parte nos rios da Amazônia, causando impactos socioambientais incalculáveis à região, e aos seus povos.
 
Contrapor-se a este projeto implica avançar em um confronto direto com Governos em todos os níveis, empresários e políticos corruptos, juízes comprometidos com o poder econômico, conglomerados nacionais e internacionais, entre diversos outros apoiadores que poderiam ser citados. Significa, enfim, confrontar-se com o Capital.
 
Tornando esta situação mais complexa, e especialmente perigosa para quem luta por direitos na Amazônia, no dia 29 de setembro de 2013, pouco antes da realização de uma audiência pública na cidade de Jacareacanga/PA, evento que tratou da construção da Usina Hidrelétrica de São Manoel, no rio Teles Pires, foi lida em praça pública uma carta assinada pelo Bispo da Prelazia de Itaituba/PA, direcionada aos índios Munduruku.
 
Várias questões que não aparecem na referida carta, explicam o teor da mesma. Apresenta-se a seguir uma parte de seu conteúdo, bem como alguns elementos que não estão explicitados nela, mas elucidam suas intenções.
 
Na carta o Bispo escreve que “O motivo desta carta é dar alguns esclarecimentos para que se evite problemas e confusões”. Segue afirmando: “Tenho conhecimento de que há pessoas que estão criando divisão entre vocês (...)”. “Recebi a informação de que pessoas estão indo nas aldeias e se dizendo do CIMI. Esclareço que, nos últimos tempos, não dei autorização para qualquer pessoa do CIMI trabalhar, em nome da Igreja Católica, na área indígena Munduruku, mesmo porque o CIMI não me pediu”.
 
Sendo direto, destaca: “Em especial quero esclarecer que uma tal de Ana Laíde, que não conheço pessoalmente, não tem qualquer autorização do Bispo para trabalhar em nome da Igreja Católica entre vocês. Tudo o que ela falar, fizer ou sugerir será sempre em seu próprio nome ou da instituição a que ela pertencer”.
 
Por fim, o Bispo decreta: “Portanto, se vocês quiserem ouvir e seguir esta pessoa, vocês são livres para seguir, mas se surgir problemas deve ficar claro que a Igreja Católica não tem nada a ver com suas atividades na área indígena de Jacareacanga”.
 
Em uma região historicamente marcada por intensos conflitos, e violência, a atitude de Dom Frei Vilmar Santin é temerária. A carta do Bispo da Prelazia de Itaituba por si só, e em especial por ter sido lida em praça pública, expõe Ana Laíde, educadora popular que realiza um importante trabalho discutindo a questão dos direitos humanos e socioambientais, a uma situação de extrema insegurança.
 
O vínculo político que existe entre o Bispo, o Prefeito da cidade, empresários e fazendeiros da região, entre outros, explica, mas de forma nenhuma justifica tal atitude. Assim, as entidades que assinam esta nota, responsabilizam, a partir deste momento, o Bispo da Prelazia de Itaituba; a prefeitura de Jacareacanga; as Polícias Civil, Militar e Federal; a Força Nacional de Segurança Pública; o governo Dilma Rousseff; o governo Simão Jatene; e as elites econômicas da região por qualquer coisa que possa acontecer com a referida educadora.
 
Ana Laíde se apresenta como militante pela causa socioambiental, como educadora popular, nunca como representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), entidade da qual já fez parte. Seu trabalho na busca por um mundo melhor, contra a destruição do meio ambiente e dos povos da floresta, tem o respaldo de todas as entidades e indivíduos que subscrevem este documento. A ela, e a todos os lutadores e lutadoras sociais criminalizados, expressamos nossa mais profunda solidariedade e apoio.
 
Grande parte da Igreja católica sempre foi nossa aliada na luta contra os grandes projetos que historicamente tem levado a destruição da Amazônia e de seus povos, dos indígenas em especial, e temos certeza que a carta do Bispo de Itaituba não representa o posicionamento dominante nessa Igreja. Desta forma, deixamos expressa toda nossa indignação com a priorização de interesses políticos e econômicos, implícito na carta de Dom Frei Vilmar Santin, sobrepondo-se a defesa e garantia da vida.
 
Denunciamos ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual, e a todas as organizações nacionais e internacionais que têm como missão garantir o direito à livre organização, expressão e manifestação, que na Amazônia a liberdade de ativistas e moradores está sendo totalmente violada pelo governo brasileiro e seus apoiadores.
 
Um claro exemplo desta violação foi a morte do índio Munduruku Adenilson Krixi, em novembro do ano passado, assassinado pela Polícia Federal quando a mesma invadiu a aldeia Teles Pires. Outro exemplo é o atual estado de militarização da região do Tapajós, ação respaldada pelo Decreto Presidencial 7957/13.
 
Recentemente esta região foi novamente invadida, agora por homens da Força Nacional. Fortemente armados, acompanham pesquisadores que estão levantando dados para o Governo Federal. Nenhuma destas situações recebeu carta do Bispo da Prelazia de Itaituba, expressando o seu posicionamento.
 
Exigimos que sejam tomadas providências imediatas antes que Ana Laíde, e outros ativistas, tombem abatidos pelas balas desferidas por jagunços, que recebem “sinal verde” de supostas autoridades, como já se verificou tantas vezes nesta região.
 
Belém, 01 de outubro de 2013.
 
ASSINAM ESTA NOTA:
- Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal do Pará (SINTSEP/PA)
- Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (IAMAS)
- Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU)
- Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Belém e Ananindeua
- Central Sindical e Popular CONLUTAS
- Mandato do Vereador Cleber Rabelo (PSTU/Belém)
- Assembleia Nacional de Estudantes - Livre (ANEL)
- Diretório Central dos Estudantes/UFPA
- Juntos! Coletivo de Juventude
- União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES)
- Diretório Central dos Estudantes/UFOPA
- Rede Fórum da Amazônia Oriental:
Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO)
Associação Brasileira dos Ogãs (ABO)
Associação das Organizações das Mulheres Trabalhadoras do Baixo Amazonas (AOMT-BAM)
Associação de Artesãos do Estado do Amapá (AART/AP)
Associação de Divisão Comunitária e Popular (ADCP)
Associação de Gays, Lésbicas e Transgêneros de Santana (AGLTS)
Associação de Hortifrutigranjeiros Pescadores e Ribeirinhos de Marabá (AHPRIM)
Associação de Moradores Quilombolas da Comunidade de São Tomé do Aporema (AMQCSTA)
Associação de Mulheres do Abacate da Pedreira (AMAP)
Associação de Mulheres Mãe Venina do Quilombo do Curiaú (AMVQC)
Associação de Proteção ao Riacho Estrela e Meio Ambiente (APREMA)
Associação dos Moradores do Bengui (AMOB)
Associação Educacional Mariá (AEM)
Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA)
Associação Grupo Beneficente Novo Mundo (GBNM)
Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC)
Encanto - Casa Oito de Março - Organização Feminista do Tocantins
Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN/MA)
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA)
Centro de Treinamento e Tecnologia Alternativa Tipiti (CENTRO TIPITI)
Centro Pedagógico e Cultural da Vila Nova (CPCVN)
Centro Popular pelo Direito a Cidade (CPDC)
Coletivo Jovem de meio Ambiente do Pará (CJ-PA)
Comunidade de saúde, desenvolvimento e educação (COMSAÚDE)
Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM)
Cooperativa de Mulheres Trabalhadoras da Bacia do Bacanga (COMTRABB)
Cooperativa de Trabalho, Assistência Técnica, Prestação de Serviço e Extensão Rural (COOPTER)
Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém (FAMCOS)
Federação das Entidades Comunitárias do Estado do Amapá (FECAP)
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Programa Amazônia (FASE)
Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Pará (FETAGRI-PA)
Fórum Carajás
Fórum de Participação Popular em Defesa dos Lagos Bolonha e Água Preta e da APA/Belém - Fórum dos Lagos
Fórum dos Movimentos Sociais de Belterra (FMSB)
Fundação Tocaia (FunTocaia)
Grupo das Homossexuais Thildes do Amapá (GHATA)
Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB)
Grupo Identidade LGBT
Grupo Ipé Amarelo pela Livre Orientação Sexual (GIAMA)
Instituto de Desenvolvimento Social e Apoio aos Direitos Humanos Caratateua (ISAHC)
Instituto de Divulgação da Amazônia (IDA)
Instituto de Mulheres Negras do Amapá (IMENA)
Instituto ECOVIDA
Instituto Trabalho Vivo (ITV)
Instituto Universidade Popular (UNIPOP)
Marcha Mundial das Mulheres (MMM – AP)
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto Urbano (MSTU)
Movimento Afrodescendete do Pará (MOCAMBO)
Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB)
Movimento de Mulheres Empreendedoras da Amazônia (MOEMA)
Movimento de Promoção da Mulher (MOPROM)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Mulheres de Axé
Rede de Educação Cidadã (RECID)
Sindicato das Empregadas Domésticas do Estado do Amapá (SINDOMESTICA)
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR/STM)
Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR/MA)
Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia (SODIREITOS)
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)
União Folclórica de Campina Grande (UFCG)
União Municipal das Associação Moradores de Laranjal do Jari (UMAMLAJ)
- Associação dos Concursados do Pará (ASCONPA)
- Associação Sindical Unidos Pra Lutar
- Vamos à Luta - Juventude Indignada!
- Diretório Central dos Estudantes/UNAMA
- Grêmio Estudantil da Escola Estadual Ulysses Guimarães
- Grêmio Estudantil do NPI
- Junatas! Coletivo de Juventude
- Rede Emancipa - Movimento Social de Cursinhos Populares

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Força policial continua garantindo audiências públicas de hidrelétricas

Jacareacanga: sob intimidação de guerreiros munduruku, Ibama promove audiência pública da UH de São Manoel
As jornalistas do Latin America Bureau (LAB), Sue Branford e Nayana Fernandez, chegaram à cidade de Santarém no dia 5 de setembro. Estão passando um mês viajando pela região para conhecer os impactos de “grandes projetos de desenvolvimento” sobre comunidades locais. Neste fim de semana, elas estiveram em Jacareacanga acompanhando uma audiência pública promovida pelo Ibama para o licenciamento da hidrelétrica de São Manoel, prevista para o rio Teles Pires, na divisa entre os estados de Mato Grosso e Pará. É mais uma obra polêmica do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal que enfrenta forte resistência indígena. A audiência só ocorreu após a suspensão de uma decisão judicial pleiteada pelo Ministério Público Federal que impedia a realização da evento até a conclusão dos estudos de impacto sobre os indígenas e após intimidação de guerreiros munduruku que protestavam no local.
Como mostra o relato abaixo, as consequências dessa política adotada pelo governo para as hidrelétricas da bacia Tapajós-Teles Pires não são de todo imprevisíveis: o tratamento dispensado às populações amazônicas pelos governos Lula e Dilma desde Jirau e Santo Antônio, passando por Belo Monte, é em tudo idêntico ao que a ditadura militar fez para implantar as barragens de Balbina e Tucuruí. O imprevisível é que tipo de conflito pode ser provocado pela divisão entre os Munduruku, uma nação de mais de 10 mil indígenas.
 
O texto a seguir foi enviado por Sue Branford com exclusividade para o blog Língua Ferina. As fotografias são de Nayana Fernadez, também gentilmente cedidas ao blog.

Jacareacanga, 30 de setembro de 2013.
 
Por Sue Branford

Neste domingo, 29, foi realizada no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará, a segunda audiência pública sobre a hidrelétrica São Manoel. A usina é uma das quatro projetadas no rio Teles Pires, um dos principais afluentes do Tapajós, e deverá afetar diretamente os territórios indígenas da região.

Porém, nem tudo transcorreu com a tranquilidade esperada pelo governo. Um grupo de índios Munduruku, pintados para guerra, conseguiu barrar por mais de uma hora a entrada do público e dos funcionários do governo federal no ginásio esportivo onde ia ser realizada a audiência pública. Os índios – homens, mulheres e crianças – protestavam energicamente contra a realização da audiência, mesmo ante uma ostensiva presença da polícia militar no ginásio – e um contingente ainda maior na retaguarda.

A grande maioria dos índios falava em Munduruku, mas, pelo número de vezes que eles mencionavam, em português, o “Ministério Público Federal”, dava a entender que sua recusa em participar da audiência tinha relação com a avaliação do MPF, que no dia 23 de setembro havia pedido a suspensão urgente da audiência até a finalização do estudo de avaliação de impactos da obra sobre os povos indígenas, chamada de estudo do componente indígena.

E, de fato, a audiência pública havia sido cancelada por decisão da Justiça Federal poucos dias antes do evento em função de graves problemas referentes aos estudos de impacto da obra sobre os indígenas e a não conclusão do estudo do componente indígena. Citando pareceres da Funai, o MPF havia apontado muitas falhas nos estudos realizados, inclusive nas ações integradas em proteção territorial, proteção aos índios isolados, proteção à saúde e monitoramento participativo da qualidade da água, da fauna e das espécies de peixes. “Apenas essa constatação já seria suficiente para demonstrar que não se pode chegar às audiências públicas sem que estes programas estejam em debate, sob pena de se tornarem inócuas”, alertaram os procuradores da República Felipe Bogado e Manoel Antônio Gonçalves da Silva, que atuam em Mato Grosso, e Felício Pontes Jr., que atua no Pará. Para o MPF, essa irregularidade tornava-se ainda mais grave por se tratar de um processo de licenciamento que, segundo palavras da própria Funai, é marcado “por conflitos e tensões, e alguns confrontos diretos” e em que o estudo do componente indígena está sendo feito de qualquer maneira, “apenas para cumprir tabela”.

Porém, a audiência foi realizada graças à intervenção da Advocacia Geral da União junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que reverteu a decisão judicial no último momento.

A grande maioria dos índios com os quais conversamos, na manhã do último domingo, nas ruas de Jacareacanga, sentem, de fato, que as hidrelétricas, não só a de São Manoel, mas também todas as muitas outras planejadas para a região, estão sendo impostas de forma implacável, sem levar em conta o enorme risco à cultura e à própria sobrevivência indígena.

Os Munduruku estão vendo acontecer no licenciamento das hidrelétricas do Tapajós e do Teles Pires as mesmas irregularidades e graves violações de direitos que fizeram de Belo Monte um dos projetos mais controversos do governo brasileiro. Em Belo Monte, assim como ontem em Jacareacanga, as audiências aconteceram graças à ajuda providencial e rápida do habitualmente lento Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em Belo Monte, como ontem em Jacareacanga, as audiências públicas foram marcadas por intensa presença policial e nenhum estímulo à participação. E os indígenas têm fortes razões para acreditar que, assim como em Belo Monte, o governo federal vai tentar usar audiências públicas como a de Jacareacanga para dizer ao poder Judiciário e à sociedade que fez a consulta prévia indígena que é obrigatória segundo a Convenção 169 da OIT.

Contudo, os índios Munduruku não estão unidos. Na manhã de ontem assistimos uma longa discussão (em Munduruku) de lideranças indígenas na praça central da cidade. Segundo as informações que obtivemos, os índios estavam tentando, sem êxito, chegar a um consenso sobre a posição a adotar em relação à audiência pública. Segundo lideranças indígenas, no processo de sufocar a resistência dos Munduruku, o governo brasileiro está deliberadamente criando divisões internas entre eles, transformando parentes em inimigos.
 
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