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Desenho do projeto Volta Grande em que foi omitida a TI Arara da Volta Grande |
ESCRITO POR TELMA MONTEIRO para o Correio da Cidadania
TERÇA, 11 DE SETEMBRO DE 2012
Como
se viabiliza a maior exploração de ouro da história da Amazônia, aproveitando a
implantação de empreendimentos hidrelétricos. Isso já está acontecendo no
Xingu. Na região do Tapajós, Província Mineral do Tapajós, já há mais de uma
dezena de projetos de mineração de ouro de grande porte, em processo de
licenciamento, tocados por duas empresas canandenses. Enquanto a sociedade está
envolvida nas preocupações e resistências contra os impactos que os
empreendimentos hidrelétricos causarão, empresas transnacionais se apoderam de
grandes nacos de terra, ajudados por sócios brasileiros.
Pode-se começar essa história
ainda no Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)
de Belo Monte no capítulo que fala dos direitos minerários na região da Volta
Grande do Xingu. Nele consta que há 18 empresas, entre elas a Companhia Vale do
Rio Doce (requerimento para mineração de ouro), com requerimento para pesquisa,
7 empresas com autorização de pesquisa e uma empresa com concessão de lavra
(CVRD, concessão para extração de estanho) na região onde estão construindo
Belo Monte.
Eram, na época de realização
dos estudos ambientais, 70 processos incidentes sobre terras indígenas que têm
773.000 hectares delimitados, dos quais 496.373 hectares são alvo de interesses
para extração de minério, representando 63% do território indígena. Empresas
como a Companhia Vale do Rio Doce, Samaúma Exportação e Importação Ltda., Joel
de Souza Pinto, Mineração Capoeirana, Mineração Guariba e Mineração Nayara têm
títulos minerários incidentes na Terra Indígena Apyterewa. Ainda tem muito
mais.
Independente das regras que
norteiam o setor de mineração em vigor ainda hoje no Brasil, o governo pretende
autorizar a extração de minérios — ouro e diamantes, principalmente — em terras
indígenas (1). Nos últimos anos houve uma seqüência de descobertas de jazidas
de bauxita, caulim, manganês, ouro, cassiterita, cobre, níquel, nióbio, urânio,
entre outros minerais mais nobres, em toda essa região do rio Xingu. Fica
nítido quando se olha para os mapas de direitos minerários apresentados nos
estudos dos projetos Belo Monte, Complexo Teles Pires e Complexo Tapajós.
Estrategistas militares
defendem há décadas o domínio do Brasil sobre as jazidas e sua exploração para
evitar que Terras Indígenas se tornem territórios fechados e inacessíveis, o
que impediria a exploração, a exemplo do que acontece hoje com a Reserva
Ianomami (2). Nas terras indígenas da região do Xingu próximas aos canteiros de
obras da UHE Belo Monte estão concentrados pedidos de autorizações de pesquisa
e lavra de minerais nobres, como ouro, diamante, nióbio, cobre, fósforo,
fosfato.
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Direitos minerários na região da Volta Grande do Xingu |
A implantação do projeto da
hidrelétrica Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em
terras indígenas (3) e em áreas que as circundam, em particular na Volta
Grande, trecho de mais de 100 quilômetros que vai praticamente secar com o
desvio das águas do Xingu. E é justamente nas proximidades do barramento
principal, no sítio Pimental, que está sendo montado o maior projeto de
exploração de ouro do Brasil, que vai aproveitar o fato de que a Volta Grande
ficará seca por meses a fio com o desvio das águas do rio Xingu.
Há mais de dois meses está
disponível na Internet o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto Volta
Grande da empresa canadense Belo Sun Mining Corp., de junho de 2012. O estudo defende
as vantagens de se fazer uma operação de lavra a céu aberto para beneficiamento
de minério de ouro com "tecnologia e equipamentos de ponta, similares
a outros projetos no estado do Pará".
Algumas pérolas podem ser
encontradas no RIMA do Projeto Volta Grande como: "os Planos de
Desenvolvimento do Governo Federal e do Governo do Pará, para a região do
Projeto Volta Grande, apontam a necessidade de investimentos em infraestrutura,
educação básica, saúde e outros aspectos que permitam melhorar os indicadores
de desenvolvimento social e econômico da região, e promover a melhoria da
qualidade de vida de suas populações, de forma mais igualitária e
sustentável".
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Funcionários da empresa canadense conhecendo território onde pretendem extrair ouro |
Incrível como, além das hidrelétricas,
os projetos de mineração, na visão do governo federal e do governo do Pará,
também se tornaram a panaceia para solucionar todos os problemas não resolvidos
de desenvolvimento social. Papel que seria obrigação do Estado, com o dinheiro
dos impostos pago pelos cidadãos de bem.
Ainda, segundo o estudo
apresentado pela Belo Sun Mining Corp., o investimento total no projeto de
mineração de ouro da Volta Grande será de US$ 1.076.724.000,00, que pretende,
como "brinde", propiciar controle e monitoramento ambiental e social
e colaboração para a realização do desenvolvimento social, econômico e
ambiental daquela região. A vida útil do projeto foi estimada em 12 anos de
acordo com as pesquisas já efetuadas.
Não
é uma maravilha?
Mas no RIMA (a reportagem
teve acesso ainda ao EIA) faltaram alguns esclarecimentos: não há menção aos
índígenas da região, nem ao fato de que as obras de Belo Monte facilitarão o
projeto Volta Grande e nem por que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do
Pará está licenciando o empreendimento, quando deveria ser o Ibama. São 106
processos de licenciamento de mineração – ouro, bauxita, diamante, cassiterita,
manganês, ferro, cobre, areia, granito – no site do Ibama, dos quais 30 são no
estado do Pará. Então, por que esse licenciamento escapou da análise dos
técnicos do Ibama?
Os impactos ambientais do
projeto da Belo Sun Mining sobre a biodiversidade vão atingir principalmente a
qualidade das águas superficiais e subterrâneas - assoreamento dos cursos d'água
-, o que acrescenta à região mais um agravante para aumentar o prejuízo das
comunidades indígenas da Volta Grande e do rio Bacajá, já às voltas com
impactos semelhantes decorrentes das obras de Belo Monte. Sem contar o
precedente que vai escancarar as portas para exploração de outras jazidas. (Ver
mapa abaixo)
Os
índios isolados na área do projeto da Belo Sun Mining
A presença de indígenas em
isolamento voluntário na região dos rios Xingu e Bacajá está descrita desde a
década de 1970 (4). Há estudos e testemunhos que comprovam sua presença nas
cabeceiras do Igarapé Ipiaçava e de um grupo isolado (ou grupos isolados) na
Terra Indígena (TI) Koatinemo. Testemunhos colhidos em 2008 confirmaram a
presença de indígenas em isolamento voluntário. Os Asurini relataram seu
encontro com isolados, depois de uma expedição de caça na cabeceira do Igarapé
Ipiaçava.
O projeto Volta Grande da
Belo Sun Mining Corp está em parte nas áreas de perambulação desses grupos em
isolamento voluntário. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte,
Componente Indígena, reconheceu a presença de indígenas em isolamento
voluntário na cabeceira do córrego Igarapé Ipiaçava e na Terra Indígena
Koatinemo dos Asurini (5). Em Parecer Técnico, a Funai (6) fez referência aos
impactos (7) que poderiam afetar os indígenas em isolamento voluntário,
observando que a ação de grileiros e invasores vai ameaçar sua integridade
física e cultural.
O parecer da Funai ainda
alerta para o fato de que o desvio das águas e a redução da vazão do rio Xingu
no trecho da Volta Grande pode gerar efeitos em cadeia sobre a ictiofauna nas
florestas marginais ou inundáveis; o movimento migratório vai criar aumento
populacional na região e provocar pressão sobre os recursos naturais; essa
pressão levará às invasões das terras indígenas onde perambulam os grupos de
indígenas em isolamento voluntário (8).
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Área (em vermelho) do projeto Volta Grande que avança sobre o rio Bacajá |
A Funai também propôs que
antes do leilão de compra de energia de Belo Monte, ocorrido em 20 de abril de
2010, o poder público deveria coordenar e articular ações para a proteção dos
indígenas em isolamento voluntário. Para isso era preciso publicar uma Portaria
de Restrição (9) de Uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e
Koatinemo.
Em 11 de janeiro de 2011,
finalmente, a Funai conseguiu publicar a Portaria de Restrição nº 38, que
estabeleceu restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de
pessoas estranhas aos quadros da Funai na área descrita, pelo prazo de dois
(02) anos a contar de sua publicação. A área descrita na Portaria, Terra Indígena
Ituna/ Itatá, está localizada nos municípios de Altamira,Senador José Porfírio e
Anapu, estado do Pará, tem superfície aproximada de 137.765 hectares (ha) e
perímetro aproximado de 207,2 km. (Ver mapa)
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Círculo vermelho maior é a região objeto da Portaria nº38 da Funai |
O projeto Volta Grande da
Belo Sun Mining Corp. está sendo implantado no município de Senador José
Porfírio, na área da Portaria nº 38 da Funai, que visou proteger os grupos de
isolados. Em conversa sobre a Portaria, válida até dezembro de 2012, com um
funcionário da Funai que não quis ser identificado nesta matéria, ele me disse
que até o final do ano tem que escrever uma nova justificativa para sua
reedição e para isso precisam de mais informações sobre o projeto Volta Grande
e outros previstos na região. Ainda, segundo ele, existem depoimentos mais
recentes sobre a presença dos índios isolados e a Funai está tratando a região
da Portaria nº38 como prioridade. A Funai tem tido muitas dificuldades, feito
muitas investidas na área e os estudos estão andando, com seis expedições
realizadas no último ano, concluiu.
A Audiência Pública para
"apresentar" o projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp. para a
sociedade está marcada para o próximo dia 13 de setembro.
Belo
Sun Mining Corp.
A empresa responsável, aqui
no Brasil, pelo Projeto Volta Grande é a Belo Sun Mineração Ltda., subsidiária
brasileira da empresa canadense Belo Sun Mining Corporation, que pertence ao
grupo Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado
voltado para projetos de mineração em todo o mundo.
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Em azul, permissões já concedidas para exploração de ouro na divisa com a TI Arara da Volta Grande |
A Belo Sun Mining Corp. foi
lançada na Bolsa de Valores de Toronto, em 30 de abril de 2012, em ritmo de
festa e comemoração. No seu site atualizadíssimo, a empresa não esconde suas
pretensões de exploração mineral na Amazônia e que tem um portfólio de
propriedades no Brasil. O foco principal da Belo Sun é explorar a mineração
numa área que, afirma, é 100% de sua propriedade e que tem ouro estimado em
aproximadamente 2,85 milhões de onças.
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Lançamento da Belo Sun Mining Corp. na Bolsa de Valores de Toronto, Canadá |
Quando se lê os diversos
documentos dá para entender tanto entusiasmo e como o projeto Volta Grande se
tornou a menina dos olhos da Belo Sun, pois controla os direitos de mineração e
exploração de 130.541 hectares (1.305 km ²). Como isso foi possível ainda é
preciso investigar, pois durante algum tempo as equipes da companhia têm atuado
na Volta Grande do Xingu, sem disfarces, realizando perfurações e tocando, na
Secretaria Estadual de Meio Ambiente do estado do Pará, o processo de
licenciamento ambiental. O farto material fotográfico disponibilizado no site
dá uma desagradável sensação de que muito poder está por trás desse bilionário
negócio.
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Diretores e administradores da Belo Sun Mining Corp. |
Outro projeto, Patrocínio, na
região do Tapajós, também da Belo Sun Mining Corp., está sendo desenvolvido e
merece um capítulo à parte.
Embora a empresa tenha
informado nos estudos ambientais que se trata de explorar uma jazida próxima à
superfície, em condições geológicas favoráveis, com extração a céu aberto, no
site ela faz referência à existência de um potencial de alta qualidade em profundidades
de pelo menos 200 metros ou 300 metros abaixo da superfície. Parece que nada
está sendo descartado no projeto e que a construção da barragem principal de
Belo Monte, no sítio Pimental, para desviar o rio Xingu justamente no trecho da
Volta Grande, vai beneficiar a extração do ouro em grandes profundidades.
Outro detalhe que chamou a
atenção sobre a Belo Sun Mining Corp. é que, nos documentos disponibilizados
agora neste mês (setembro), a referência à companhia foi alterada e o símbolo,
na estrutura do capital da empresa, está representado como TSX: BSX. Em uma
nota de 2011, o Brasil Econômico conta sobre a Belo Sun e a extração de 4
milhões de onças troy (barra de 31,1 gramas) em Altamira, no Pará, e dá o
empresário Eike Batista como potencial investidor devido à ligação dele com o a
região, onde explorou ouro entre 1980 e 1990.
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Os dois principais projetos de mineração de ouro da Belo Sun: Patrocínio (Tapajós) e Volta Grande (Xingu) |
Começa a fazer sentido.
Talvez Eike Batista seja o grande investidor da Belo Sun Mining Ltda.,
subsidiária da Belo Sun Mining Corp.
A
mineração no Brasil
Em maio de 2011, o governo
divulgou o Plano Nacional de Mineração (PNM) 2030, com um objetivo mal
explicado de que o setor mineral contribuiria com um Brasil sustentável.
Palavras expressas na introdução feita pelo ministro de Minas e Energia, Edison
Lobão.
A pretensão de apresentar uma
visão de futuro calcada no desenvolvimento do setor mineral brasileiro com
objetivo estratégico de sustentabilidade é, no mínimo, ofensiva. A
justificativa que o PNM utiliza para antecipar a ideia de que haverá maior
pressão no uso e ocupação do solo é que a demanda por bens minerais em países
emergentes deverá crescer nas próximas décadas.
As áreas chamadas de
Restrição Legal, que são as unidades de conservação, terras indígenas, as
terras quilombolas, áreas destinadas à reforma agrária, são consideradas uma
espécie de entrave à expansão da atividade mineral. Um exemplo que é citado no
PMN, como um intróito para conduzir o leitor a entender a necessidade de
exploração de mineral em terras de restrição legal, é o Plano de Manejo,
considerado como um verdadeiro obstáculo às práticas de "atividades
econômicas".
As terras indígenas também
são consideradas restritivas à atividade mineral, pois impedem que mais de 25%
da Amazônia Legal e 12% do território nacional sejam exploradas. O artigo 231,
§ 3º, da Constituição Federal de 1988 é entendido como passível de
regulamentação, pois prevê que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em
terras indígenas se dêem após aprovação do Congresso Nacional, desde que as
comunidades afetadas sejam ouvidas, assegurando-lhes participação no resultado
de lavra. Como a lei não foi regulamentada, o PNM lhe atribui um quê de
inconveniência para a concretização dos planos de mineração ali contidos.
Regulamentar o Artigo 231 da
Constituição Federal torna-se, então, no PNM, um desafio para que no futuro se
possa disciplinar a relação entre a atividade minerária e as comunidades
indígenas. A articulação pressupõe uma melhoria no conhecimento geológico do
Brasil para facilitar a identificação de novas jazidas e, o que é pior, a maior
autonomia do Estado até para a oferta de insumos minerais para o setor
agropecuário. Sem nenhum resquício de pudor, o PNM expõe o objetivo claro de
obter, com a regulamentação, a permissão de "abertura de minas em terras
indígenas", que "também amplia o escopo de atuação do setor
(minerário) na região Norte".
Não é de se surpreender que
até um papel estratégico para a conservação das florestas foi atribuído ao
setor mineral, sem sequer um esclarecimento de como isso se daria em plena
Amazônia. À exploração de urânio também é concedida uma colocação de arrepiar,
considerada como uso preferencial de produção de energia que reduz os gases de
efeito estufa. Exploração essa na Amazônia, subentende-se, e em terras
indígenas e unidades de conservação!
A mineração na Amazônia passa
a ser destacada como a atual fronteira da expansão mineral, encarada com
verdadeiro otimismo no texto, dado o florescimento dos grandes empreendimentos
já em curso desde o século XX. São citados todos os projetos cujos impactos se
conhecem largamente, como a lavra de bauxita de Juruti, no Pará; a lavra de
manganês da Serra do Navio (AP); de bauxita do rio Trombetas, Paragominas; de
estanho de Pitinga (AM) e de Rondônia; de ferro, manganês, cobre e níquel de
Carajás (PA); de caulim do Jari (AP) e da bacia do rio Capim (PA); de alumina e
alumínio de Barcarena (PA); de escoamento de ferro-gusa pela ferrovia de
Carajás.
Todo o plano nos leva a
antever um grande e único processo de exploração mineral na Amazônia, já
precedidos da destruição imposta pelos projetos hidrelétricos e hidrovias. A
exploração do grande potencial mineral identificado na Amazônia, especialmente
em terras indígenas, está, pelo menos no papel e no Congresso Nacional, em
curso, bem pontuada nos planos do governo federal com projetos significativos
para facilitar o conhecimento geológico do Brasil.
Na região amazônica, 5% da
área que deverá ser estudada para aumentar o conhecimento geológico correspondem
a terras indígenas e o documento estabeleceu diretrizes para mineração em áreas
com restrições legais. Entre elas, o conhecimento do subsolo para tomada de
decisão que se adeque aos "interessese nacionais, regionais ou
locais." O que isso quer dizer, na prática, é que, apesar de a definição
de acesso e uso das terras indígenas estar bem clara na Constituição de 1988,
uma agenda de entendimentos vai propiciar a regulamentação em tramitação no
Congresso e, assim, viabilizar a mineração em terras indígenas e quilombolas.
Tudo em nome do interesse nacional.
O PNM propõe duas ações com
relação às áreas com restrições legais, para aparar as arestas que travam o
desenvolvimento da atividade minerária: uma é articular com órgãos de usos e
ocupações do solo restritivos à atividade mineral, que seriam o meio ambiente,
terras indígenas e de quilombolas, áreas para reforma agrária, sítios
arqueológicos e fossilíferos, entre outros; e a outra é apoiar a aprovação
de lei que regulamente o aproveitamento dos bens minerais nas terras indígenas,
segundo dispõe o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988.
O
Projeto de Lei da mineração
É da competência exclusiva do
Congresso Nacional "autorizar, em terras indígenas, a exploração e o
aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas
minerais", Art. 49, inciso XVI, da Constituição Federal (CF). As riquezas
minerais são sempre de interesse nacional e econômico, mas, no que diz respeito
à preservação dos interesses das populações indígenas, há uma grande distância.
Está tramitando no Congresso
Nacional um Projeto de Lei (PL) 1610/96 que pretende regulamentar a exploração de
recursos minerais em terras indígenas e que sofre uma grande pressão para que
seja aprovado ainda este ano. Uma comitiva de deputados da Comissão Especial de
Mineração em Terras Indígenas foi à Austrália para ver como é que fazem por lá,
para que os indígenas aceitem a mineração em suas terras. Foram estudar a
legislação, contratos, royalties e a regulação do sistema de exploração mineral
em áreas indígenas, além-mar, para elaborar um parecer ao PL 1610.
O
marco regulatório e o novo código da mineração
Em 2011, o Ministério de
Minas e Energia resolveu lançar a discussão do novo Marco Legal da mineração
brasileira, fez um diagnóstico onde apontou burocracia e uma certa
"fraqueza" do poder concedente como as principais dificuldades que
atingem o setor. Entre os objetivos propostos para o novo Marco Legal estão o
fortalecimento do Estado para ter soberania sobre os recursos minerais,
propiciar o maior aproveitamento das jazidas e atrair investimentos para o
setor mineral. Tudo indica que os investidores já estão a postos.
Lógico que, no pacote do novo
Marco Legal da mineração brasileira, o MME aproveitou para criar o Conselho
Nacional de Política Mineral e a Agência Nacional de Mineração (ANM), que,
provavelmente, serão preenchidos com a nomeação de pessoas em cargos de
confiança. Isso já acontece, por exemplo, com a Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), ligada à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), subordinada
diretamente ao MME.
As propostas do governo Dilma
Rousseff, para alterar o Código de Mineração, que é de 1967, e criar a Agência
Nacional de Mineração, serão examinadas pelo Congresso Nacional a partir deste
mês de setembro. A principal mudança no Código de Mineração será que o governo
passará a leiloar o direito de exploração que, atualmente, é conferido por
ordem de chegada.
Todas essas alterações
previstas no setor mineral no Brasil, no entanto, não vão alterar em nada as
licenças para pesquisa e exploração de novas jazidas já concedidas pelo
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Edison Lobão, ministro de
Minas e Energia, recentemente anunciou que as autorizações novas estariam
suspensas até que o novo Codigo de Mineração seja aprovado pelo Congresso.
Qualquer processo em tramitação e não concluído no DNPM, portanto, ainda segundo
o ministro, perderiam a validade e as jazidas seriam futuramente leiloadas de
acordo com as novas normas.
Para se ter uma ideia do
tamanho do filão minerário no Brasil localizado principalmente na Amazônia, são
mais de 5 mil alvarás de pesquisa e 55 portarias de lavra que estão em processo
de aprovação no DNPM. Lógico que a gritaria é grande por parte das mineradoras
que estão na fila de espera, especialmente quando elas levam em conta que a
Compensação Financeira pela Exporação de Recursos Minerais (CFEM) vai passar de
0,2% para até 6%. Mas, para o Ministério de Minas e Energia, tocado por Edison
Lobão, sob a chefia de José Sarney, a aprovação do Código da Mineração aumenta
ainda mais o seu poder, passando a ser so controlador direto dos leilões de concessões,
como o da energia.
Essa é uma herança do governo
Lula desde 2010 que Dilma Rousseff agora está tocando com celeridade.
Esse resumo sobre as
tramitações que envolvem as alterações no setor de mineração serve para
esclarecer o porquê de grandes empresas internacionais estarem ao mesmo tempo
"atacando" as principais regiões onde estão as maiores riquezas
minerais no Brasil. Uma delas é onde está sendo construída a hidrelétrica Belo
Monte, na Volta Grande do Xingu; uma outra é na Província Mineral do Tapajós,
justamente onde o governo planeja a construção do Complexo Hidrelétrico do
Tapajós. Coincidência ou não, as empresas são canadenses e têm vários projetos
para exploração de ouro nessas áreas.
Notas:
2) Idem acima.
4) AHE Belo Monte Estudos de
Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), páginas
103/111/113. Componente Indígena PROCESSO IBAMA n° 02001.001848/2006-75,
abril de 2009.
5) Idem, p. 103
6) UHE Belo Monte –
Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
7) Parte 4 – Avaliação Geral
dos Impactos Socioambientais nas Populações Indígenas, p. 87.
8) “A continuidade e possível
intensificação dessa ocupação por não-índios colocará em risco a integridade
física dos grupos isolados, sendo necessária a interdição da área e as devidas
ações de fiscalização. Em setembro de 2009 a Funai enviou outra expedição para
a região com o mesmo objetivo de identificar a presença dos isolados, mas ainda
não obtivemos as informações com os resultados dessa nova tentativa.” p. 86,
UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer Técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
9) “1) Medidas ligadas ao
Poder Público, a serem implementadas em diferentes etapas: a) Ações até o
leilão: 3. Publicação de portaria para restrição de uso entre as Terras
Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de índios isolados”; UHE
Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, ps.
95/96.
Telma Monteiro é
colunista do Correio da Cidadania