quarta-feira, 13 de abril de 2011

Pronunciamento da senadora Marinor Brito sobre Belo Monte

Dia 12 de abril de 2011, às 22h30

Sr. Presidente, ouvintes, telespectadores da Rádio e TV Senado, funcionários da Casa, os que até este horário acompanham aqui os nossos pronunciamentos, estou vindo de Belém, não pude participar da votação nominal hoje porque, junto com a Universidade Estadual do Pará, com a Universidade Federal do Pará e o Movimento Xingu Vivo, realizamos um seminário chamado Energia e Desenvolvimento, a Luta contra as Hidrelétricas na Amazônia, numa reflexão teórica, científica, tendo por base os estudos feitos por diversas universidades brasileiras, por diversos cientistas que compõem hoje o painel de especialistas que debatem os impactos socioambientais e analisam as perspectivas energéticas brasileiras. E o debate feito por meio dos diversos instrumentos jurídicos que foram utilizados nesses vinte anos em relação a Belo Monte.

Por isso, não consegui chegar a tempo de participar da votação, mas fiz questão de vir registrar a minha presença e, mais do isso, dizer da minha preocupação, Senador, com uma movimentação política que me parece estar acontecendo no Senado Federal, espero que não seja verdadeira, no sentido de boicotar uma decisão da Comissão de Direitos Humanos desta Casa, que aprovou uma diligência a Belo Monte no dia 16, no próximo sábado, portanto, para ouvir o outro lado da história, para ouvir as comunidades tradicionais, os indígenas, os ribeirinhos, os pescadores, que não estão sendo ouvidos pelos diversos governos que se sucederam nesses últimos vinte anos, que não tiveram a oportunidade de participar, assim como os estudiosos da questão energética, a Academia Brasileira não foi ouvida no debate feito pelo Governo Federal quando definiu o modelo energético e a implantação das hidrelétricas, tendo a Região Amazônica, em especial o Estado do Pará, como celeiro da exploração dos recursos hídricos e da constituição de um modelo que sequer foi analisado cientificamente pelo Governo.

Lamentavelmente, os estudos socioambientais feitos até agora foram realizados a partir, pasmem, das empreiteiras que têm interesse e que estão envolvidas no projeto de Belo Monte. É a raposa tomando conta do galinheiro. É inusitado que o Governo brasileiro, que tem no seu plano plurianual a decisão de ocupar o espaço da Pan-Amazônia, da América Latina, como foco de comercialização de energia, não tenha tido o cuidado de delegar, de contratar cientistas, de contratar as universidades brasileiras para estudar os impactos deste ou daquele modelo – porque são vários modelos energéticos existentes no mundo. Nós poderíamos optar por vários modelos energéticos, até pelo mesmo, com custo muito menor do que o BNDES anuncia gastar na hidrelétrica de Belo Monte, gerando, segundo o painel de especialistas, muito mais energia do que vai ser gerada em Belo Monte.

Então, nós lamentamos que esse movimento, nestes últimos dias, tenha tirado o avião da Aeronáutica que estava previsto para levar os Senadores. Nós estamos nos organizando, com a dificuldade do transporte na Amazônia, para viajar em avião de linha, tendo de ficar muito mais tempo na região, o que já é um dificultador para o deslocamento dos Senadores. E Senadores da base do Governo que estavam absolutamente convencidos da importância e da necessidade de ouvir as comunidades tradicionais, nestes últimos dias, desistiram da viagem.

Com um, com dois, com meio, com quatro, com dez, com cinquenta, com oitenta e um, nós vamos a Belo Monte. E vamos ouvir. Eu vou exercer o meu papel de Senadora da República. Eu vou ouvir as comunidades tradicionais. Eu vou visitar a área e vou junto com o Ministério Público Federal, com a OAB, tanto a do Estado do Pará quanto a OAB nacional, com entidades nacionais que têm, sim, preocupação com o povo da Amazônia. Que não têm no lucro e na distribuição desse lucro entre os setores das elites brasileiras a sua prioridade.

O BNDES, que é o segundo maior banco estatal do mundo, que financia o projeto de Belo Monte, tem, no seu projeto de financiamento das hidrelétricas, financiamento de hidrelétricas em outros países da América Latina - no Peru, por exemplo - a juros que o povo brasileiro não tem o direito de pagar, baixinhos, a 4% ao ano. Esse é um megaempreendimento, que envolve vários países da América Latina. E pasmem V. Exªs: nós não temos o levantamento da necessidade energética do povo brasileiro. Esse debate tem sido feito de uma forma muito irresponsável e em nome do mito do apagão que o País vivenciou nesses últimos anos, mas nós nem sabemos se o que se gera de energia neste País, se ficasse no País a energia, seria ou não suficiente para atender ao povo brasileiro.

Vejam: a hidrelétrica de Tucuruí, até hoje, há mais de vinte anos instalada, não tem energia destinada aos sete Municípios da região. Há locais nos Municípios de Tucuruí, de Cametá, de Oeiras do Pará, de Baião, de Limoeiro do Ajuru que não têm energia elétrica,

que ainda funcionam com motor, não tem 100% de energia na região. E aí nós temos que ficar calados, batendo palmas para o Governo Federal e para as empreiteiras por mais um anúncio de um megaprojeto para nossa região, uma região que já viveu o ciclo da borracha como a grande maravilha da geração de renda, emprego e desenvolvimento. E o que ficou na região? Uma região que já viveu os grandes anúncios de desenvolvimento com a Transamazônica, que até hoje não é asfaltada, que até hoje não foi concluída.

Agora, Belo Monte é o salvador da pátria; Belo Monte, que vai inundar uma região imensa; Belo Monte no rio Xingu, que passa por dois Estados que tem mais de trinta populações indígenas diferentes que vão sumir do mapa – vão sumir do mapa.

Nós não podemos ficar calados. Eu apelo aos Senadores da República, inclusive aos que se posicionaram contra a decisão da OEA, com notinhas prontas, sem refletir sobre por que o povo da Amazônia procurou a OEA.

Será que o povo da Amazônia está sendo ouvido em alguma esfera de Poder? Não, não está. A primeira ação contra a instalação de Belo Monte foi exatamente por isso, há 20 anos, porque não foi respeitada a Constituição Federal, que obriga que, para se fazer qualquer empreendimento em áreas indígenas, as populações indígenas devem ser ouvidas. Sequer foi aprovada no Congresso Nacional a decisão. E, felizmente, nós ganhamos essa ação. Foi até o Supremo, e nós ganhamos a ação.

De lá para cá, existem mais dez ações, e uma trás da outra tem derrotado a tese do Governo, sobretudo, quando se trata do descumprimento da lei, quando se trata do descumprimento dos itens que compõem os contratos assinados com as empreiteiras, a participação do Governo na estruturação das cidades da região de Belo Monte, seja do ponto de vista do saneamento, das escolas, das unidades de saúde, dos hospitais.

Ora, temos uma região absolutamente vulnerável socialmente, com altos índices de desemprego, de violência sexual contra crianças e adolescentes. É o foco do tráfico de meninos e meninas para fora do País.

Infelizmente, o Governo não está preocupado com isso, porque, se estivesse, a Presidenta Dilma abriria as portas do Palácio para ouvir o povo daquela região, abriria as portas do Governo para ouvir os especialistas que têm, ao longo dos anos, pesquisado essa área e mostrado a incongruência desse projeto.

Está em minhas mãos a Carta de Belém, que foi escrita hoje, num seminário realizado na Universidade Estadual do Pará que, como eu disse, foi parceira, junto com a Universidade Federal do Pará, e recebeu um grupo de especialistas na área: Dr. Guilherme Carvalho, Dr. Francisco Del Moral, que debateram sobre os modelos energéticos e a política de desenvolvimento para a Amazônia, e também o Deputado Edmilson Rodrigues, que foi o Deputado mais votado do Pará, Doutor em Geografia Humana pela USP, foi Prefeito por oito anos na cidade de Belém, Prefeito premiado nacional e internacionalmente, com gestão participativa, com um modelo de gestão que retirou das ruas as meninas e os meninos, foi o primeiro a implantar o Bolsa Escola, foi premiado em Dubai, por duas vezes, como o Prefeito Criança, foi premiado pelas melhores práticas de inclusão social.

Esse painel de especialistas que debateu hoje nos trouxe muitas reflexões, sobretudo a reflexão de que é preciso resistir e de que é preciso insistir com os Senadores da República, de que é preciso insistir com os Deputados Federais, com os Governadores dos Estados onde tem previsão de construção de hidrelétrica, com a Presidenta Dilma Rousseff, que esse projeto não pode descer goela abaixo do povo da Amazônia, que ele não pode ser implantado de qualquer jeito, como temos ouvido os Ministros se posicionarem. Não é de qualquer jeito! O povo da Amazônia tem que ter voz! O povo da Amazônia tem que ser ouvido!

Esta Carta de Belém, dentre outras reflexões, traz o alerta de que vamos resistir; vamos resistir até que o povo daquela região seja ouvido! Porque não queremos lá mais duzentas mil pessoas que estão se deslocando quando o Governo está anunciando a geração de vinte mil empregos, quando só na cidade de Altamira temos dezoito mil desempregados! Não queremos mais prostituição infantojuvenil. Não queremos mais o espaço privilegiado pela vulnerabilidade social para injeção da droga naquela região. Não queremos mais as mazelas que o Estado brasileiro tem produzido para o povo brasileiro, à luz dos interesses internacionais dos grandes empreendedores, dos que têm a facilitação do dinheiro público com juros baixos, para gerar fome, miséria e prostituição para o nosso povo. Não querermos mais!

Enquanto eu tiver voz aqui, neste Senado Federal, enquanto não vieram para cá, para o meu lugar, os fichas-sujas, eu vou continuar apelando às autoridades brasileiras em nome do povo da Amazônia.

Passo, agora, à leitura da Carta de Belém, que foi escrita e aprovada no dia de hoje, no seminário realizado na Universidade Estadual do Pará.

“Carta de Belém em defesa dos rios, da vida e dos povos da Amazônia”

“Os participantes do seminário ‘Energia e desenvolvimento: a luta contra as hidrelétricas na Amazônia’, após ouvir professores e pesquisadores de importantes universidades afirmarem que Belo Monte não tem viabilidade econômica, pois vai produzir somente 39% de energia firme, 4,5 mil MW dos 11 mil prometidos. Afirmarem ainda que a repotenciação de máquinas e equipamentos e a recuperação do sistema de transmissão existente poderiam acrescentar quase duas vezes o que esta usina produziria de energia média, investindo um terço do que se gastaria na construção de Belo Monte.

Após ouvirem o procurador do Ministério Público Federal [Dr. Felício Pontes] falar sobre a arquitetura de uma farsa jurídica: falta de documentação, oitivas indígenas que nunca existiram, licenças inventadas e ilegais, estudos de impacto incompletos e que não atendem as exigências sociais, ambientais e da própria legislação. Após ouvirem o povo Gavião da Montanha, relatando a luta que até hoje travam contra a Eletronorte, que os expulsou de suas terras quando a hidrelétrica de Tucuruí começou a ser construída, tendo sua cultura seriamente ameaçada, enfrentando doenças e problemas sociais que antes não conheciam. Mostrando que sua luta já dura mais de 30 anos, e que até hoje não conseguiram sequer direito a uma nova terra.

Após ouvirem os movimentos e organizações sociais denunciarem que os povos do Xingu, agricultores, ribeirinhos, pescadores, indígenas, extrativistas, entre outros grupos, estão sendo criminalizados e simplesmente ignorados. Situação reconhecida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que solicitou ao governo brasileiro que pare a construção de Belo Monte enquanto os povos indígenas não forem ouvidos.

Após verem os exemplos históricos dos grandes projetos na Amazônia, inclusive exemplos mais recentes como o das hidrelétricas no rio Madeira, onde foi verificado desde o não cumprimento dos direitos trabalhistas, até mesmo trabalho escravo, levando os trabalhadores a se rebelarem contra a opressão que vinham há muito tempo sofrendo.

Afirmam que a UHE [Usina Hidrelétrica] Belo Monte não tem nenhuma sustentabilidade social, econômica, ambiental, cultural e/ou política, por isso representa uma insanidade.

Afirmam que o governo brasileiro trata hoje Belo Monte de forma obsessiva, irracional, movido unicamente pela necessidade de atender a interesses políticos e econômicos, em especial os das grandes empreiteiras.

Afirmam que é possível impedir a construção da UHE [Usina Hidrelétrica] Belo Monte, defendendo os rios, a floresta, as populações rurais e urbanas, a vida na Amazônia, no Brasil e no mundo.

Diante disso, os participantes deste seminário assumem os seguintes compromissos:

- fortalecer uma grande frente contra o barramento dos rios da Amazônia;

- fortalecer o movimento contra Belo Monte, inclusive criando novos comitês;

- cobrar um grande debate no Senado Federal, com a presença dos Senadores e povos do Xingu.

Faço uma ressalva, exatamente porque o Governo não está ouvindo, o Congresso não está ouvindo, os Senadores estão criando dificuldades ou sendo pressionados a não irem a Belo Monte. Então, o povo do Xingu quer ser ouvido pelos Senadores e decidiu cobrar um grande debate no Senado Federal com a presença dos Senadores e do povo do Xingu.

A carta finaliza:

Belo Monte não!

Terra sim!

Viva o rio Xingu, vivo para sempre!

Viva os rios da Amazônia, vivos para sempre!

Belém, 12 de abril de 2011.

Essa é a carta escrita pelos ambientalistas, pelos movimentos sociais, pelos indígenas, pelos povos tradicionais, que participaram, no dia de hoje, conosco. Tive orgulho de estar numa mesa, colaborando com a discussão, junto com essas autoridades da área acadêmica, que nos deram uma lição de que é possível resistir, que nós temos elementos científicos fortes para demonstrar e tentar sensibilizar as autoridades, sobretudo o Governo Federal, dessa forma insana como está sendo conduzido o processo de Belo Monte.

Não é à toa que a decisão da OEA foi favorável às populações tradicionais. Não é à toa que a decisão da OEA foi exigir do Governo brasileiro a paralisação das obras de Belo Monte.

E aqui quero deixar muito claro: não existe nenhuma contradição entre defender os rios da Amazônia, entre defender a vida e a vida dos povos da Amazônia e pensar o desenvolvimento da região, e pensar o desenvolvimento numa perspectiva sustentável. É possível, e temos instrumentos suficientes nas academias, nas pesquisas feitas Brasil afora, inclusive fora do País, que nos possibilitam, caso o Governo resolva refletir sobre essa questão, que o desenvolvimento na nossa região seja feito à luz dos interesses do próprio povo da região, e não a partir exclusivamente do lucro dos empreiteiros, que historicamente têm explorado o nosso povo, explorado a nossa região.

Agradeço a atenção do Senador, nosso Presidente em exercício nesta sessão.

Coloco-me à inteira disposição, através do nosso blog, do nosso site, para conversar com outras comunidades ribeirinhas, com outras comunidades indígenas, com as ONGs, com os que lutam em defesa do povo brasileiro, para que possamos reforçar a luta em defesa dos rios da Amazônia, a luta em defesa do povo da Amazônia, do povo brasileiro.

Muito obrigada.

- Imprensa



Natália Vergütz

Assessora de Imprensa

Gabinete da Senadora Marinor Brito (PSOL/ PA)

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