terça-feira, 29 de abril de 2014

Munduruku do Tapajós convocam Governo Federal para discutir território indígena


 
Após assembleia geral, indígenas divulgam carta pública na qual convocam instituições governamentais para reunião, exigindo demarcação de terra e suspensão de projetos de mineração
Publicado em 27 de abril de 2014
Após uma semana de intensas reuniões, indígenas da etnia Munduruku decidiram, em assembleia com caciques e representantes de mais de 60 aldeias, convocar o Ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, o Ministro de Minas e Energia, o Presidente da Eletrobrás, a FUNAI e o Ministério Público Federal para uma reunião na próxima quinta-feira (1) na aldeia Sai Cinza, Jacareacanga, Pará. Entre as pautas estão a demarcação de uma terra indígena no médio Tapajós e o fim de pesquisas e concessões de lavra no subsolo de terras indígenas.
A decisão aconteceu após o anúncio de uma audiência marcada para o dia 6 de maio, em Itaituba, onde deve ser apresentado a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) do Complexo hidrelétrico do Tapajós. “O governo fala que a gente não quer diálogo. Então a gente decidiu que somos nós que temos que marcar audiência, consulta prévia, não o Governo. O Governo tem que ouvir e dialogar dentro do nosso território. Não somos nós que temos que ir atrás do Governo. O Governo que tem que vim e dialogar com o povo Munduruku dentro das aldeias”, diz Kabaiwun Kaba, membro do movimento Munduruku Ipereg Ayu.
MDK
Em carta enviada por e-mail à Secretaria Geral da Presidência, os indígenas afirmam que antes de qualquer audiência e apresentação de estudos, os Munduruku querem a demarcação da Terra Indígena Sawré Maybu, localizada no médio Tapajós, próximo de Itaituba. Outra demanda é a suspensão das autorizações de pesquisa e lavra mineral do subsolo em território indígena, emitidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral para grandes mineradoras, como a Vale. A empresa já possui licença para pesquisa mineral em grande parte do território indígena. Segundo Kabaiwun Kaba, os Munduruku decidiram que tanto as hidrelétricas quanto os projetos minerais previstos para o Tapajós devem ser combatidos pelos indígenas. “Para nós tudo é sagrado. Tanto o rio, a terra, o vento, o fogo, a floresta. Tudo é sagrado. Então quando o governo diz que vai fazer alguma coisa na nossa terra, dói no nosso coração porque a gente faz parte de tudo isso”, afirma.
O complexo Tapajós é um conjunto de 7 grandes usinas hidrelétrica – São Luiz do Tapajós, Cachoeira do Caí, Jatobá, Jamanxin, Cachoeira dos Patos, Jardim do Ouro e Chacorão. Segundo informações publicadas no folheto de propaganda do complexo, o lago formado terá cerca de 800 km², quase o dobro da inundação prevista para a usina de Belo Monte.
Atraso na demarcação de terra e pressa no licenciamento
Com eleições marcadas para Outubro deste ano, o Governo Federal vem tentando de todas as formas avançar com o processo de licenciamento do complexo de hidrelétricas do Tapajós. Um exemplo disso é que em 2012 a presidenta Dilma Russef reduziu os limites de sete unidades de conservação (UCs) para viabilizar a construção de oito grandes barragens na Amazônia, entre elas, a UHE São Luiz do Tapajós.
Se construída, São Luiz alagará os municípios de Trairão e Itaituba, além de comunidades indígenas ainda não demarcadas. No final de 2013, a presidenta da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Maria Augusta Assirati, se comprometeu com os indígenas em publicar até março deste ano o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da TI Sawré Maybu, porém, o relatório, já aprovado pela Diretoria de Proteção Territorial (DPT) até agora não foi divulgado no diário oficial da União.
Leia abaixo ou clique na íntegra da carta:
Ao governo brasileiro e à sociedade brasileira
Nossos caciques, pajés, lideranças, guerreiros, mulheres e crianças do povo Munduruku, reunidos na terceira assembléia do Movimento Munduruku Ipereng Ayu, declaramos para o poder judiciário e a sociedade brasileira que temos total disposição para dialogar um processo democrático de consulta prévia, livre, informada e de boa fé, conforme a convenção 169 da OIT.
Para continuar esse diálogo, que não é negociação dos nossos direitos, convidamos o ministro Gilberto Carvalho, Ministro das Minas e Energia, Presidente da Eletrobrás, Funai, Ministério Público Federal e observadores da sociedade civil, para um encontro na aldeia Sai Cinza, município de Jacareacanga, PA, a ser realizado no dia 1 de maio de 2014.
Queremos que o governo prove sua boa fé, publicando o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawre Muybu do Médio Tapajós, e o cancelamento de todas as licenças de pesquisa e lavra no subsolo da Terra Indígena Munduruku emitidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral para grandes empresas mineradoras.
Assembléia Munduruku, aldeia Missão Cururu, 25 de abril de 2014
Respeitosamente,
Josias Manhuary Munduruku – Líder dos guerreiros
Maria Leusa Cosme Kaba Munduruku – Representante das mulheres
Vicente Saul Munduruku – Cacique aldeia Sai Cinza
Arlindo Kaba Munduruku – Cacique aldeia Missão
Texto de Larissa Saud, foto Rosamaria Loures

segunda-feira, 7 de abril de 2014

MANIFESTO DECLARAÇÃO DO MOVIMENTO XINGU VIVO PARA SEMPRE: QUANDO OS RIOS NOS ENSINAM A DESCONHECER FRONTEIRAS E CONTINUAR LUTANDO.

 
 
Ao povo brasileiro,
 
à comunidade internacional,
 
a tod@s @s parentes que se importam com a vida...
 
Havia um tempo em que o Xingu corria livre, liberdade que garantia a vida. Então decidem estrangular seu curso. Decidem levantar um paredão em seu leito, amarrar um torniquete em sua jugular e gangrenar seu sangue. Seguimos lutando...

Ao tomar o governo em 2003, as forças de esquerda em coalisão com partidos de centro, com a insígnia de que a esperança havia vencido o medo, prometeram iniciar um período em que poderíamos ter atendidas boa parte de nossas demandas históricas. Para nós, povos amazônidas, na aurora daqueles dias, já cuidavam de desengavetar o Projeto de Morte Belo Monte e possivelmente gestavam planos de emparedamento de nossos rios pelos quatro cantos de nossa Amazônia. Um duro golpe que não será esquecido...retomamos em 2008 a aliança dos povos de nosso rio Xingu e bradamos um grito: “Xingu Vivo Para Sempre!” E seguimos na luta...

Percebemos que nessa dura luta, na qual elegemos um inimigo poderoso, a fim de nos fazer mais fortes ainda, muitos preferiram adotar o Desenvolvimentismo como verdade absoluta e única solução para nossos males seculares. O círculo de poder em Brasília continuou a adotar os grandes projetos de morte como artimanha para oferecer solução a nossas seculares demandas por educação, saúde, moradia, segurança alimentar e tantas outras. Suportamos o cinismo dessas políticas, a ganância das empreiteiras, o avanço do agronegócio, aliados indispensáveis dos desmandos e mentiras dos governos em todos os seus níveis. Ainda assim, seguimos lutando...

Nos solidarizamos com os irmãos e irmãs do Rio Madeira em sua luta, ajudamos a denunciar as atrocidades ambientais, judiciais e, sobretudo, sociais, que viriam com a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Em plena cheia de 2014, as próprias águas do Madeira parecem gritar por socorro e anunciar para o mundo que megas construções desse tipo não serão facilmente suportadas por nosso bioma amazônico e muito menos pelas pessoas que aqui sobrevivem diante disso.

Sofremos duros golpes de um dos Poderes da república cuja missão principal é zelar pela justiça. O artifício jurídico da Suspensão de Segurança, forjado durante a Ditadura Militar, foi e continua sendo usado em tempos de “Democracia” para exatamente escarnecer desta e dos direitos dos povos por sua autodeterminação. A Constituição da República e a Convenção 169 da OIT nada representaram para a cúpula do Judiciário brasileiro, ao vermos acintosas decisões negar esse direito aos povos indígenas e populações tradicionais. Ainda assim seguimos lutando...

Quando pensávamos estar sozinhos, surge no cenário nacional um povo que atravessa duas bacias hidrográficas, desconhecendo fronteiras, antecipando-se, num movimento típico de guerreiras e guerreiros acostumados a grandes batalhas por seu território. O Movimento Munduku Iperêḡ Ayu cuidou de nos ensinar, com esse gesto solidário, que essa luta não é apenas nossa, mas de toda humanidade. Em momentos tensos de um suposto diálogo, onde o governo federal insiste em mentir para fazer prevalecer sua posição, esse povo guerreiro sofreu a dura repressão das forças policialescas federais na Aldeia Teles Pires levando morte e destruição, depois no canteiro de obras de Belo Monte, em seguida na capital da República, e novamente em seu território, num claro sinal de que não se trata de um diálogo, mas de um monólogo no qual o governo insiste em ser o único protagonista. Apesar disso junto, e mais ainda, seguimos lutando...

Assim, essa luta nos ensinou que a dor não tem fronteiras e a longa noite dos mais de 500 anos de opressão e ataque ao modo de vida de nossa gente amazônida está longe de passar. Nunca houve tanto sentido nas palavras de Che para quem “Não há fronteiras nesta luta de morte” e que não “vamos permanecer indiferentes perante o que aconteça em qualquer parte do mundo". Como povos das águas amazônidas seguimos lutando...

Aprendemos na luta a empunhar a verdade sobre os grandes projetos na Amazônia, em especial Belo Monte, e denunciamos ao mundo as atrocidades que esta obra poderia e está a causar em nossa região. Enquanto reafirmávamos a possibilidade de outro modo de vida, que nada mais é do que o de nossos povos, o Governo brasileiro nos criminalizava e criminaliza. Enquanto reafirmávamos a vida, o Governo brasileiro nos impunha a morte de nossos rios. Enquanto dizíamos que é possível organizar-se para lutar em nome da liberdade de pensamento e da livre associação, o governo nos espionava e usava de práticas típicas da Ditadura Militar, sem que isso causasse qualquer incômodo à camarilha burocrata pró-barragem, que em boa medida foi vítima desse regime. Seguimos lutando...

Falamos ao mundo que Belo Monte não matou a resistência. Seu cimento não embotou todos os olhos, nem seu dinheiro comprou todas as consciências. Sua repressão não matou coragens nem calou bocas, suas mentiras não ensurdeceram todos os ouvidos. A resistência, a coragem, a verdade, a dignidade, a vida, nossos direitos não são negociáveis. É o que afirmamos em nosso caminhar de luta...

Aos críticos que se colocam a perspectiva derrotista, e dizem que Belo Monte é um fato consumado, que os paredões de concreto estão sendo erguidos e que, por fim, acabamos derrotados, o Xingu Vivo reafirma sua contrariedade ao projeto de morte que é Belo Monte, e diz que nunca esteve tão atual e pulsante o grito #PAREBELOMONTE, pois nenhuma hidrelétrica construída, em qualquer parte de nossa Panamazônia, representa uma sentença de absolvição dos crimes e outras violações perpetradas contra os povos do rio e da floresta. O eventual funcionamento de suas turbinas representa sim o escarnecimento da Constituição, dos direitos fundamentais, da democracia e da liberdade. Seguimos lutando...

E se Belo Monte não está só, se de outros rios se ameaça tirar a liberdade, se em outras regiões se planeja exterminar a mata, a vida indígena, do pescador, do ribeirinho, dos peixes, dos animais, e onde tentarem plantar desconfiança, ganância, discórdia, fome, desesperança e medo, estaremos lá com nossa resistência, coragem, solidariedade e dignidade. Reafirmando sempre a autonomia dos povos de decidirem seu próprio destino, direito e posição incompatível com os projetos de morte encomendados para nossa Amazônia. É o que nos propomos em nossa luta...seguir lutando...

Seguiremos lutando pelo respeito à vida, a cultura, a livre organização socioeconômica e política dos povos indígenas, dos pescadores, dos ribeirinhos, das mulheres e dos homens do campo e da cidade. Reivindicaremos a harmonia dos povos originários e tradicionais, harmonia com os pássaros, com os peixes, com a floresta, com os rios, vivos para sempre.

Se os rios são as veias da nossa terra, onde houver quem os queira estancar, lá estará a nossa luta. Como homens e mulheres das águas, onde houver quem queira lutar, lá levaremos nosso apoio e a eles pediremos solidariedade. Nunca esteve tão atual nossa aliança Xingu, Tapajós, Madeira e Teles Pires. Assim como os rios não conhecem fronteiras, não haverá fronteiras para a defesa do nosso direito de decidir nossos destinos. A luta nunca termina, pois como um velho sábio já nos ensinou “a luta é como um círculo, se pode começar em qualquer ponto, porém nunca termina”.

Seguir lutando sempre!
 
#PAREBELOMONTE #TAPAJÓSSEMBARRAGENS #PELAAUTODETERMINAÇÃODOSPOVOS
 
 
Altamira-PA, 04 de abril de 2014.
 
Movimento Xingu Vivo para Sempre