Veja também no site do ISA:  Indígenas afetados por Belo Monte interrompem obras e querem que empreendimento seja paralisado
[24/06/2012 22:09]  http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3598
 

Na madrugada da última quarta feira, 20, indígenas xikrin da Terra Indígena Trincheira Bacajá, localizada às margens do rio Bacajá (afluente do Xingu), ocuparam a ensecadeira do canteiro de obras de Pimental, paralisando os trabalhos dos operários. Após a ação inicial, se juntaram ao grupo os juruna e arara, cujas aldeias Paquiçamba e Arara da Volta Grande, estão no trecho do Xingu que secará com a construção da hidrelétrica, e outros grupos, como os arawete, assurini e parakana estão se juntando à ocupação nesta segunda (25). A previsão é que a manifestação tenha representantes de todas as 34 aldeias do Médio Xingu.
De acordo com os indígenas, a ação, que reúne cerca de 150 guerreiros, protesta contra a falta de cumprimento das condicionantes pela empresa Norte Energia, a demora na implantação do Plano Básico Ambiental – componente indígena (PBA), que deveria estabelecer e efetivar os programas de compensação e mitigação dos impactos já sentidos na região pelos indígenas; a demora na entrega aos Xikrin dos Estudos Complementares do Rio Bacajá, que por ora apenas foram apresentados nas aldeias, e que permitiria um melhor dimensionamento dos impactos neste rio e para os Xikrin, e garantia da definição de programas de compensação e mitigação destes impactos, em especial pela seca que prevêm que seu rio sofrerá com a construção do empreendimento; o desconhecimento do PBA pelos indígenas, do qual se pede mais e melhores apresentações para todos entenderem; a demora em definir a situação fundiária das Terras Indígenas Terra Wangã, Paquiçamba , Juruna do Km. 17 e da Cachoeira Seca; a não autorização da construção de mais estradas como alternativa ao transporte fluvial atualmente utilizado pelos indígenas e que será dificultado pela transposição da barragem e pela seca (vazão reduzida) do leito do rio; a falta do investimento necessário e anterior à obra em infraestrutura nas aldeias impactadas, como por exemplo para garantir a captação de água potável nas aldeias da Volta Grande do Xingu, nas quais a água do rio, até então consumida pela população, já está barrenta e insalubre devido à construção, e a indefinição no sistema de transposição da barragem – as ensecadeiras, que cortam o rio de ponta a ponta, devem impossibilitar a livre navegação do Xingu – e o temor de que eles fiquem isolados de Altamira, cidade onde estão os principais serviços que lhes atendem (de saúde, educação, escritórios da FUNAI).
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De acordo com Mukuka Xikrin, em entrevista concedida no sábado, a intenção da ocupação é paralisar a obra de Belo Monte. “Eles não estão conseguindo cumprir o que prometeram dentro das aldeias, principalmente as condicionantes, tudo está ficando pra trás. A gente está vendo que a destruição da natureza e do rio está muito grande, e a gente não vai deixar mais eles fazerem a obra andar”. Segundo Mukuka, o grupo pretende ocupar  o canteiro de obras do Pimental. “As caçambas, os tratores e os carros estão todos presos la”, explica o líder xikrin, e faz um apelo: “estamos precisando da imprensa aqui pra divulgar pro mundo inteiro o que está acontecendo. O governo fala que a gente ta de boa, mas não, a situação aqui está muito ruim, a gente, que vai ser impactado, não tem garantia de direito nenhum. E a gente está pedindo pra Justiça mandar parar a obra de Belo Monte”. Ainda segundo Mukuka, os indígenas exigem a presença do ministro Edison Lobão (Minas e Energia), do presidente da Funai e do presidente da Norte Energia. “Enquanto eles não chegarem, nós vamos ficar lá”.
Justiça nega reintegração de posse
De acordo com informações do Ministério Público Federal, a juíza federal Priscila Pinto de Azevedo negou, no último sábado, o pedido de reintegração de posse da Norte Energia. A empresa havia solicitado o uso de força policial para a retirada dos indígenas do canteiro de obras, mas, de acordo com a juíza, o caso exige antes de tudo uma avaliação das causas sociais que levaram à ocupação, sendo que a manutenção da integridade física e da vida é, no caso, mais importante do que a questão possessória. Em sua decisão, além de negar a intervenção da polícia, Azevedo definiu que a empresa deve encontrar uma saída negociada, com participação da Funai.
“Parem com isso”
Logo após a ocupação da ensecadeira, as lideranças xikrin se reuniram para elaborar um curto mas contundente manifesto sobre o seu posicionamento.
Manifesto dos Xikrin do Bacajá
“Parem com isso, deixem o rio correr. Deixem que nossos barcos andem pelo rio. Parem com isso, deixem o rio correr para as crianças banharem e beberem de sua água. Se fizerem a barragem o rio vai ficar ruim, a água não vai mais ser boa. O rio vai ficar seco, por onde vamos navegar?
Deixem o rio correr para a gente ir para o mato caçar para nossos filhos e netos comerem, para que no rio que corre bem a gente pesque, saia cedo para pescar para nossas crianças comerem.
Nossos Estudos mal foram completados e vocês estão falando da barragem, não gostamos disso. O PBA nem saiu e vocês já estão começando a fazer a barragem, não gostamos disso. Nós queremos que a barragem de Belo Monte pare de vez!”
Texto produzido pelos homens reunidos na aldeia do Bacajá, Terra Indígena Trincheira-Bacajá, com assessoria na tradução da antropóloga Clarice Cohn.


Foto e video: Rafael Salazar