Por Lunaé Parracho
 

Em 21 de dezembro de 2012, segundo interpretação equivocada do calendário maia, o mundo iria acabar. Naquele dia, "o coração de Belo Monte começou a bater", nas palavras de Antônio Kelson, diretor de construção da concessionária Norte Energia, empresa responsável pela construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte. Na ocasião, a empresa anunciara que havia concluído a construção da ensecadeira do sítio Pimental, um dos canteiros da obra, no Rio Xingu.

No site da Norte Energia, a empresa garantiu ainda que "a construção das ensecadeiras não trouxe prejuízo na navegabilidade no Xingu devido à construção do Sistema de Transposição de Embarcações (STE)". Publicada em 15 de janeiro, a nota afirmada que o sistema funcionaria "como espécie de guincho que iça e atravessa pequenas embarcações por cima da barragem feita no local".

Aquele era o último dia do prazo dado pelo Ibama para a conclusão do sistema de transposição e a Norte Energia precisava ser convicente. Kelson declarou então que “Belo Monte veio para resolver! Em momento algum a obra vai interromper os ciclos de vida nessa região”.

Ademar Ferreira, um pescador nascido e criado na região, discordaria das profecias do diretor, caso tivessem sido dirigidas a ele, enquanto observava um trator tirando seu barco da água. O trator puxaria por terra o barco do pescador, atrelado a um reboque. Ademar, desconfiado, iria ser transportado até o outro lado do rio dentro de uma van. A cena é surreal para um pescador acostumado a navegar livremente no Xingu, rio que sempre considerou como sendo dele.

O sistema de transposição é uma das medidas de mitigação dos impactos da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, planejada para ser a terceira maior do mundo. Com o barramento de grande parte do rio naquele trecho, o canal que ainda está aberto acumula um grande volume de água que torna perigosa a navegação.

Para os pescadores, o sistema não é adequado e está provocando o que chamam de "decalafetamento" – quando a trepidação do reboque causada pelo deslocamento do trator, vai abrindo pequenas fissuras no casco, danificando as embarcações.

Pescadores e ribeirinhos também reclamam da demora na fila de barcos e muitos tem se arriscado tentando cruzar o rebojo no pequeno canal ainda aberto entre as obras da hidrelétrica naquele trecho do rio. A espera chega a durar até uma hora em alguns casos e segundo pescadores e ribeirinhos este tempo ainda deve aumentar com o fim do período de defeso, quando o fluxo de pescadores navegando aumenta consideravelmente.

Leonardo Batista, pescador indígena da etnia Juruna, desabafa:

- A gente se sente aqui em um cativeiro. Nós não temos mais a nossa liberdade. Antes a gente pescava livremente nesta área agora esta essa situação aqui do sistema de transposição, colocando em risco a nossa vida, nosso motor, nossa mercadoria. O prejuízo fica pra nós, então nós nos sentimos massacrados, ilhados, desrespeitados como seres humanos filhos desta terra".

Irmã Ignez, que participa na luta contra Belo Monte desde 1989, se emociona ao ver os pescadores submetidos à espera e ao trator do sistema de transposição da Norte Energia.

- Agora tudo é arrasado em nome do capital; tudo é transformado em cimento e em pedra. Da vontade de chorar.

 

Representantes das comunidades de pescadores, pescadores indígenas, ribeirinhos, agricultores, moradores da cidade de Altamira e organizações sociais da região ligadas ao Movimento Xingu Vivo Para Sempre, protocolaram denúncia no Ministério Público Federal, demandando que o MPF, Ibama, Funai e Ministério da Justiça, "venham fazer uma inspeção no local e que tomem as medidas necessárias para que o nosso transporte e a nossa segurança sejam resguardados".

No documento, os atingidos pelas obras de Belo Monte declaram que "o barramento do rio e o Sistema de Transposição tornou-se um perigo de vida para a população em geral que utiliza majoritariamente rabetas e grandes embarcações de madeira. Nenhuma delas resiste ao sistema e atravessar o rio por fora é inviável por conta do rebojo das águas no canal".

Os atingidos reclamam do combustível que gastam pela volta que são obrigados fazer "para contornar as mudanças do rio". Segundo eles, a situação tem causado transtorno, constrangimento e alta insegurança para os que navegam diariamente no rio Xingu. Eles consideram a situação inaceitável.

- Nós que somos os maiores atingidos e violentados deste empreendimento feito pelo Governo Federal e financiado pelo BNDES não podemos pagar este preço. Estamos perdendo nosso rio, nossos peixes, nossa cultura, meios de vida, embarcações, nossa dignidade e agora ainda corremos o risco de perder nossas vidas – assinala o documento.


Fonte: Terra Magazine / Blog da Amazônia