quarta-feira, 26 de março de 2014

Chefe munduruku vai a Washington denunciar projeto de usinas no Tapajós


Ruy Baron/Valor / Ruy Baron/Valor 
Josias Munduruku: "As 118 aldeias mundurukus têm que ser ouvidas"
Se o visto para os Estados Unidos sair a tempo, Josias Manhuary Munduruku, 36 anos, casado, dois filhos, embarcará nas próximas horas para Washington. "Fui convidado para fazer uma denúncia", diz o chefe dos guerreiros mundurukus, etnia que reúne 11.600 índios em 118 aldeias na Amazônia. "Temos a nossa voz. Temos que lutar pelos nosso direitos, pelo nosso rio, pela nossa floresta."
A voz dos mundurukus tem se manifestado contra o projeto do governo de ocupar a bacia do rio Tapajós com hidrelétricas. Nos planos estão 3 usinas no Tapajós, 4 no Jamanxim, 5 no Teles Pires e 17 no Juruena. Os índios temem as usinas de São Luiz do Tapajós, Jatobá, Teles Pires e São Manoel, só para citar as mais famosas.
Josias deve falar em audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). "É sobre a barragem. O governo não quer ouvir, não quer fazer consulta prévia com nós", disse ao Valor.
A consulta aos povos indígenas, quando afetados por projetos, é prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil ratificou a convenção, com aprovação no Congresso e promulgação pelo Executivo, mas ainda não há padrão de como fazer a consulta na prática. A experiência de Belo Monte é contestada pelos povos da região, que alegam não terem sido adequadamente ouvidos.
"Estamos lutando para sermos respeitados pelos governos que estão desrespeitando a legislação. É muita violação dos direitos humanos", diz. "Na Constituição está garantido, mas os governantes não estão cumprindo a lei."
Os mundurukus são "um povo de tradição guerreira, que dominava culturalmente a região do Vale do Tapajós, que nos primeiros tempos de contato e durante o século XIX era conhecida como Mundurukânia", diz o capítulo dedicado a eles no "Povos Indígenas no Brasil", do Instituto Socioambiental (ISA). São o principal foco de resistência às usinas do Tapajós.
Representam o que os caiapós de Raoni significaram para Belo Monte desde que o projeto no Xingu era conhecido por Kararaô. "Fizeram Belo Monte sem consulta prévia, tenho o vídeo. Não queremos do jeito que fizeram. Todo mundo tem que ser ouvido. As 118 aldeias mundurukus têm que ser ouvidas, com seus 118 caciques", diz Josias.
Na semana passada, ele esteve em Brasília e explicou sua visão das usinas a uma plateia de índios, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas e outros afetados por hidrelétricas ou projetos de mineração na Amazônia. O evento foi promovido pelo Fórum da Amazônia Oriental (Faor), rede de organizações sociais da Amazônia Oriental
"O projeto é uma destruição para nós, não vai prestar", disse. "O que o governo quer? Quer que os indígenas fiquem divididos entre eles", prossegue. "O povo aldeado não quer as usinas. Quer consulta prévia. Tem uns que querem, mas não representam o povo, estão ligados com o governo."
Ele diz que a consulta "tem que ser também com os ribeirinhos e quilombolas. Principalmente os ribeirinhos, que vão ser mais prejudicados porque a terra deles não é demarcada. Temos dó daquelas pessoas que vão perder o lugar deles. A gente luta pela próxima pessoa, a geração que está vindo."
Foi a terceira viagem de Josias a Brasília. Em junho de 2013, depois de ocuparem os canteiros de Belo Monte, 144 mundurukus foram trazidos em aviões da FAB para uma conversa com o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República. O diálogo foi nervoso. Episódios tensos marcaram a relação entre governo e mundurukus em 2013. Os índios sequestraram três biólogos da Eletrobras que faziam estudos na região. O governo reagiu, enviou a Força Nacional e disse que muitos índios estavam envolvidos com garimpos ilegais.
Por Daniela Chiaretti | De São Paulo
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