Complexo de Hidrelétricas no Amazonas vai atravessar unidades de conservação, afetar terras indígenas e provocar desmatamento
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentou na semana passada em Manaus (AM) o inventário que propõe a construção de sete usinas hidrelétricas na bacia do rio Aripuanã, afluente do rio Madeira, nos Estados do Amazonas, Mato Grosso e uma área menor de Rondônia, representando uma potência total de 2.790 MWh. No Amazonas, estão previstas as construções de quatro usinas: Prainha, Sumaúma, Cachoeira Galinha e Inferninho, na região dos municípios de Apuí e Novo Aripuanã, sudeste do Estado, distantes 453 e 227 quilômetros de Manaus, respectivamente. A bacia é considerada umas áreas mais preservadas da Amazônia.
A reportagem é de Elaíze Farias e publicada pelo jornal A Crítica, 15-04-2012.
Os estudos, que estão sendo analisados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) há quase um ano e prestes a ser aprovados, estimam impactos negativos significativos em oito unidades de conservação federal e estadual onde se registra uma grande diversidade de espécies animais e vegetais e em pelo menos cinco terras indígenas (no Amazonas, a TI atingida deverá ser a Tenharim do Igarapé Preto).
Aproximadamente 112 mil pessoas deverão ser atingidas. No Amazonas, este universo estimado é de 640 famílias (Prainha) apenas em um dos quatro projetos de usinas. Elas deverão ser deslocadas de suas áreas. Há também registros de um significativo número de sítios arqueológicos e áreas de forte potencial mineral.
Navegação
Está também prevista a inundação média de 400 quilômetros quadrados em cada área de barragem construída, segundo apurou a analista ambiental do Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc), Geise Canalez, que participou da reunião.
Um dos impactos mais preocupantes é com a restrição à navegação do rio Aripuanã, tributário do rio Madeira. Geise Canalez diz que o projeto de hidrelétrica vai impactar diretamente cerca de 200 quilômetros de rios navegáveis no Amazonas, o que representaria comprometer a economia do Amazonas e o escoamento da produção daquela região.
O complexo prevê quatro usinas no rio Aripuanã e três no rio Roosevelt, que nasce no Mato Grosso, próximo da divisa com Rondônia, e deságua no rio Aripuanã (AM). Elas farão parte do Sistema Interligado Nacional (SIN), formado por empresas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte.
Os municípios do Amazonas cujos territórios vão sediar quatro das sete usinas não serão atendidos pela energia gerada. Apuí e Novo Aripuanã compõem sistemas isolados, à base de termelétricas a diesel. O Amazonas também não deverá receber cobertura. Manaus será conectada ao SIN quando os 1.800 do Linhão do Tucuruí, cuja usina fica no Pará, for concluído, provavelmente em 2013.
Unidades
Algumas das áreas protegidas a ser impactadas constituem o Mosaico de Apuí e o Parque Nacional dos Campos Amazônicos, conjunto contínuo de unidades de conservação que integram o Mosaico da Amazônia Meridional. A UC mais impactada vai ser o Parque Nacional Campos Amazônicos (unidade federal), que será atravessado por obras das usinas de Prainha e Cachoeira Galinha.
Aline Roberta Polli, analista do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e coordenadora do Parna Campos Amazônicos, explica que em termos ecológicos a bacia situa-se na região de transição entre os biomas Cerrado e Amazônico, em área fronteira à intensa pressão antrópica (ação humana) coincidente com o denominado Arco do Desmatamento.
“Apesar dos índices crescentes de desflorestamento, a região apresenta importantes remanescentes florestais, representados por tipologias variadas, resultando em uma das mais importantes áreas preservadas da Amazônia Legal nos estados de Mato Grosso e Rondônia”, disse Aline.
“Casa Suja”
Embora tenham sido apresentados oficialmente há alguns dias, os estudos de inventário, já estão em análise pela Aneel desde junho de 2011. Na última sexta-feira (13), a assessoria de imprensa da Aneel confirmou que o estudo “será aprovado em breve” ou “nas próximas semanas”.
A apresentação do inventário provocou desconforto nos participantes do seminário. Entre os vários questionamentos feitos estão a falta de consulta aos órgãos estaduais e federais que já atuam na bacia do rio Aripuanã, o uso de dados estatísticos defasados, a aplicação de modelos inadequados para a especificidade do ecossistema do Amazonas e o desinteresse em divulgar o seminário para um maior número de participantes.
“A região é muito rica em biodiversidade que está em estudo. No Mosaico do Apuí, por exemplo, mas de cinco possíveis novas espécies de peixes foram encontradas em 2008, além de espécies de primatas, aves e o próprio ambiente de contato Cerrado-Floresta Amazônica que é único no Estado”, disse a analista Aline Roberta Polli.
Para Geise Canalez a base de avaliação do estudo realizado é inadequada para a realidade do Amazonas, não trará benefícios e deixará apenas “a casa suja”.
Ela diz que o único “ponto positivo” apresentado pela EPE sequer chega a ser positivo de fato, pois o que foi apresentado – repasse financeiro aos municípios atingidos pelas obras – é, na realidade, compensação ambiental dos impactos gerados, previstos em lei, e não benefícios.
“A gente se assusta devido aos exemplos ruins dos outros projetos na região que não estão dando certo. E eles não estão trazendo benefícios para a região. Fazem menção a uma linha integrada de distribuição de energia elétrica que não atende a região Norte, pelas suas dimensões. Que deve demorar mais 20 anos e não há garantia de que vai atingir o Estado inteiro”, diz.
População
Geise defendeu para o Amazonas a elaboração de uma estratégia de menor impacto, com construção de empreendimentos em áreas menores e matriz energética apropriada.
Gabriel Carrero, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam) e consultor do Mosaico do Apuí, destacou que as usinas vão causar “um grande impacto na região e que, ainda assim, a energia gerada não será usada na região”. Ele criticou “um maior contato” entre os autores do inventário e a sociedade, além de articulações e participações de órgãos ambientais, sobretudo com o Conselho Estadual de Meio Ambiente.
“Em termos de impacto ambiental, somente para Apuí e Novo Aripuanã, está previsto um contingente de 20 mil pessoas. Mas depois que terminam as obras, estas pessoas tendem a ficar na região. O impacto do uso da terra é esperado que aumente o desmatamento”, disse.
Alternativas
O sub-coordenador do Centro Estadual de Mudanças Climáticas (Ceclima), vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS), Anderson Bittencourt, especialista em energia e fontes renováveis, considera importante os estudos de inventário para conhecer o potencial energético da região, mas se disse contra o modelo de hidrelétricas que afetam a população local.
“Além de não estarem incluídas nos projetos de desenvolvimento, permanecem sem o principal resultado esperado da obra, o suprimento elétrico. Isso mostra que o planejamento da matriz energética deveria ser mais diversificado, distribuindo melhor os impactos e as oportunidades socioeconômicas que existem, tais como, o aproveitamento de outras opções de geração de energia, como turbinas hidráulicas e energia de biomassa e solar, ao invés de sempre optar por grandes obras hidrelétricas, que não é uma alternativa ambiental viável a longo prazo”, comentou.
Ele defendeu a ampliação das discussões das usinas hidrelétricas na Amazônia para que as ideias que no passado justificavam essas obras, hoje possam passar pelo conhecimento da sociedade local, e não apenas de especialistas que mostram seu ponto de vista técnico.
Bittencourt ressaltou ainda que o modelo de geração de energia explorado na bacia do rio Aripuanão não atende às necessidades dos municípios de comunidades do sul do Amazonas. Segundo ele, para isto ocorrer, será necessário um modelo híbrido de pequena escala, como é o caso energia solar, energia da biomassa ou energia hidrocinética.
Anderson Bittencourt criticou o modelo de desenvolvimento do governo federal “a qualquer custo” e disse que isto precisa ser mudado. Ele destacou que, no Brasil, 30% da energia gerada são gastos por empresas que consomem muito (fábricas de aço e de alumínio, principalmente) e que todas as empresas presentes na Amazônia, e que usam a energia de Tucuruí, são produtoras de alumínio, que é exportado. “Fala-se em desenvolvimento econômico, mas a fabricação industrial é direcionada para essa produção e para a exportação”, observou.
SIN
Segundo Anderson Bittencourt, o sistema brasileiro é dividido em quatro grandes subsistemas, além de diversos sistemas isolados – Subsistema Sudeste/Centro-Oeste, Subsistema Sul, Subsistema Nordeste, Subsistema Norte e Sistemas isolados da Amazônia.
A partir de 2014, a cidade de Manaus, será conectada ao SIN. Serão 1.800 quilômetros de extensão pelo meio da Amazônia, ligando a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a Manaus, no Amazonas, sustentadas por dezenas de torres de cerca de 300 metros.
Apenas 3,4% da capacidade de produção de eletricidade do país encontram-se fora do SIN, em pequenos sistemas isolados localizados principalmente na região amazônica.
A Bacia do rio Aripuanã é considerada no Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, com o potencial de geração a ser aproveitado no horizonte de 2015.
No PNE 2030 indicam que para o atendimento à demanda de consumo até o horizonte de 2026, o potencial hidrelétrico dessa bacia deverá ser totalmente aproveitado.
EPE
A reunião ocorrida em Manaus, segundo a assessoria de imprensa da EPE, consistiu na Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Rio Aripuanã. Esta considera o conjunto de aproveitamentos hidrelétricos que compõem a alternativa de divisão de quedas selecionada nos Estudos de Inventario.
A assessoria disse que o inventário hidrelétrico tem como finalidade exclusiva avaliar o potencial hidroenergético de uma bacia hidrográfica por meio de identificação e seleção de um conjunto de aproveitamentos (usinas hidrelétricas) que apresentem melhor atratividade sob o ponto de vista energético, econômico e socioambiental.
Os estudos continuem a primeira etapa do ciclo de implantação de uma usina. As etapas seguintes são estudos de viabilidade do aproveitamento, incluindo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e obtenção de Licença Ambiental Prévia (LP), leilão de energia, Projeto Básico e o Projeto Executivo para implantação do empreendimento.
De acordo com a assessoria, para a reunião em Manaus, foram convidados vários órgãos, como Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, IBAMA, Agência Nacional de Água (ANA), Fundação Nacional do Índio (Funai), ICMBio, Ministério Público Federal (MPF), Ministério dos Transportes/ANTAQ e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Funai
Procurada para se manifestar sobre os impactos em terras indígenas, a Funai respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que tomou conhecimento do inventário e está analisando. Segundo a Funai, mesmo que o estudo aponte potencial em terras indígenas, dentro delas não pode haver exploração enquanto o artigo 231 da Constituição não for regulamentado. “Quando um empreendimento é efetivado e pode afetar terras indígenas, a Funai se manifesta sobre a influência que pode haver para os povos indígenas. Antes disso não temos como nos manifestar”, disse o órgão.
(Ecodebate, 16/04/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
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