(Mauricio Santos Matos)
Matéria publicada no site do Governo do Estado do Pará dá a exata noção da falta de escrúpulos daqueles que tentam vender a idéia de que a construção do AHE Belo Monte vai trazer enormes benefícios para a população paraense.
O texto conta uma farsa: Belo Monte vai gerar energia para o povo pobre e excluído da Amazônia. Apesar de não ser original, o método é eficiente e bem bolado, pois a mentira contida no corpo do texto não está escrita. O leitor não lê a mentira. Ele apenas a imagina.
É um artifício muito engenhoso, pois permite aos defensores do governo negar qualquer acusação, uma vez que nada está escrito. Ou seja, elabora-se um texto que induz o leitor a acreditar em algo que não leu, mas imaginou, em razão da associação de palavras e temas envolvidos. A má intenção dos responsáveis pela publicação do artigo fica explícita quando se percebe a manobra.
E o propósito é justamente permitir ao leitor desatento a construção mental de uma afirmação que não está visível aos olhos, pois não está digitada. E a dificuldade é transferida ao leitor crítico, que precisa provar que uma idéia foi formulada, sem que esta esteja escrita. Complicado? A princípio pode parecer, mas não é tão difícil perceber a tentativa de enganar a população que acessa um instrumento de comunicação oficial do governo de uma unidade federativa.
Vejamos o título: “Luz Para Todos garante energia ao Xingu antes de Belo Monte”. Em nenhum momento está escrito que a construção do AHE Belo Monte irá gerar energia para o programa Luz Para Todos. Mas é justamente essa a mensagem que se quer passar: que existe uma relação direta entra a construção da hidrelétrica de Belo Monte com a eletrificação das propriedades rurais da região da Volta Grande do Xingu.
Entretanto, isso não pode ser escrito, pois é uma enorme mentira. Então, não se escreve. Mas se faz uma composição de palavras que permite ao leitor desatento interligá-las e formular a idéia que se pretende manipular: Luz Para Todos + Xingu + Belo Monte = Belo Monte vai gerar energia para a minha casa. Bastante inteligente, mas muito pouco ético.
A matéria é constituída por oito parágrafos. Intencionalmente, o primeiro e os dois últimos fazem referência a Belo Monte, além do título. Pretende-se que o leitor desatento inicie e termine a leitura achando se tratar de um artigo sobre a geração de energia por Belo Monte. Todavia, os cinco outros parágrafos referem-se à extensão dos programas de eletrificação rural do governo federal, cuja energia será transmitida a partir de linhões de alta tensão indo de Tucuruí, no rio Tocantins, até a Ilha do Marajó. Nada a ver, portanto, com o rio Xingu, Belo Monte ou a região de Altamira.
Mas o texto tem a intenção de forjar mais esta calúnia. O primeiro parágrafo é esclarecedor. Fala em um investimento de R$ 550 milhões para “assegurar energia para 20 mil residências da região”. E novamente a associação de palavras gera uma equação matemática pouco confiável: investimento + Luz Para Todos + Xingu + Belo Monte = energia para vinte mil famílias.
O paradoxo de Tucuruí não será evitado, como afirma o governo estadual. Ele vai se repetir, pois o objetivo de Belo Monte não é gerar energia para as comunidades locais. E isto está explícito nas conclusões do EIA/RIMA. Os moradores dos municípios vizinhos a Belo Monte farão o mesmo que seus pares de Tucuruí: vão olhar para cima e ver o linhão passar, enquanto suas casas ficam sem luz.
A “esperteza” do governo é prometer energia elétrica, sem dizer de onde virá, nem quando estará disponível, fazendo crer, com o jogo de palavras, que ela virá logo, em razão da construção de Belo Monte. Lendo o escorregadio artigo, tem-se a impressão de que será construído um linhão para levar energia de Tucuruí para Altamira e entorno. Mas não há nada afirmando isso. E quando seria? Após a conclusão da primeira e segunda etapas do Linhão do Marajó? Apenas a título de informação: o anúncio do início da obra ocorreu em 19/03/2009; o lançamento da primeira etapa, em 25/09/2009; e o início do levantamento topográfico para a definição do local de instalação das torres, somente em 06/05/2010. Isso apenas da primeira etapa do Linhão do Marajó, com previsão de ser concluído em 18 meses.
Supondo que o linhão para o Xingu seja construído somente após o do Marajó, no ritmo atual, a energia chegaria em Altamira em meados de 2016. Isso se os prazos forem cumpridos. Interessante, é que na página do Luz Para Todos, na internet, fala-se que durante a execução do programa (2003-2008) foram localizadas “novas famílias sem energia elétrica em casa”, fato que ocasionou a sua prorrogação, “para ser concluído no ano de 2010”. Isso nos deixa com algumas dúvidas: ou essa estória tem número demais ou tem informação de menos.
O leitor mais atento pode fazer uma séria crítica ao parágrafo acima, pois o Linhão do Marajó não está incluído no Programa Luz Para Todos, mas sim no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. E essa é mais uma confusão proposital observada na matéria veiculada na página do governo estadual. Como as obras do PAC ainda estão em execução, sendo que algumas nem saíram do papel, é mais interessante canalizar as informações sobre a ampliação do fornecimento de energia para um programa que será encerrado dentro do período de gestão do atual governo de Ana Júlia. Tenta-se dar a impressão de que todas as obras de eletrificação rural estão relacionadas ao Luz Para Todos e, portanto, serão concluídas ainda no atual mandato. E isso é especialmente oportuno para um chefe do Executivo que busca a reeleição no final deste ano.
Depois de viajar pelo Marajó, os dois últimos parágrafos retornam às informações sobre Belo Monte. Um olhar minucioso aos números apresentados enterra, em definitivo, a farsa de dizer que a hidrelétrica no Xingu será responsável por fornecer luz para as residências da população local. Se considerarmos os 11 mil MW supostamente gerados nos meses de cheia do rio, a reserva de 20%, que ficará no Pará, segundo afirmação do governo, seria suficiente para atender a demanda de 1.200 MW necessários para o funcionamento das duas indústrias de alumina que se instalariam no estado e ainda sobraria. Se considerarmos os 4 mil MW de média mensal, a conta é outra: 20% de 4.000 são 800 MW. Ou seja, vai faltar energia, não sobrar. Traduzindo: a hidrelétrica de Belo Monte não vai gerar energia para as residências dos municípios do Xingu, mas sim para as grandes indústrias do estado e de outras regiões do país. Isto é o que dizem os números do próprio governo.
Por fim, vamos fazer um exercício de paciência, e com extrema boa vontade, acreditar que o título do texto governista fale a verdade e será garantida energia aos municípios vizinhos de Belo Monte, antes mesmo da construção da hidrelétrica. Ora, mas o discurso daqueles que são favoráveis ao projeto da barragem no Xingu não é, justamente, de que Belo Monte é essencial para levar energia e desenvolvimento para Altamira e região? O próprio governo estadual acaba de desmenti-los, pois está prometendo levar energia para os municípios do Xingu, sem a necessidade de construir o Belo Monstro.
Mauricio Santos Matos, licenciado em Artes, servidor público do estado, membro do Comitê Metropolitano Xingu Vivo Para Sempre
Matéria publicada no site do Governo do Estado do Pará dá a exata noção da falta de escrúpulos daqueles que tentam vender a idéia de que a construção do AHE Belo Monte vai trazer enormes benefícios para a população paraense.
O texto conta uma farsa: Belo Monte vai gerar energia para o povo pobre e excluído da Amazônia. Apesar de não ser original, o método é eficiente e bem bolado, pois a mentira contida no corpo do texto não está escrita. O leitor não lê a mentira. Ele apenas a imagina.
É um artifício muito engenhoso, pois permite aos defensores do governo negar qualquer acusação, uma vez que nada está escrito. Ou seja, elabora-se um texto que induz o leitor a acreditar em algo que não leu, mas imaginou, em razão da associação de palavras e temas envolvidos. A má intenção dos responsáveis pela publicação do artigo fica explícita quando se percebe a manobra.
E o propósito é justamente permitir ao leitor desatento a construção mental de uma afirmação que não está visível aos olhos, pois não está digitada. E a dificuldade é transferida ao leitor crítico, que precisa provar que uma idéia foi formulada, sem que esta esteja escrita. Complicado? A princípio pode parecer, mas não é tão difícil perceber a tentativa de enganar a população que acessa um instrumento de comunicação oficial do governo de uma unidade federativa.
Vejamos o título: “Luz Para Todos garante energia ao Xingu antes de Belo Monte”. Em nenhum momento está escrito que a construção do AHE Belo Monte irá gerar energia para o programa Luz Para Todos. Mas é justamente essa a mensagem que se quer passar: que existe uma relação direta entra a construção da hidrelétrica de Belo Monte com a eletrificação das propriedades rurais da região da Volta Grande do Xingu.
Entretanto, isso não pode ser escrito, pois é uma enorme mentira. Então, não se escreve. Mas se faz uma composição de palavras que permite ao leitor desatento interligá-las e formular a idéia que se pretende manipular: Luz Para Todos + Xingu + Belo Monte = Belo Monte vai gerar energia para a minha casa. Bastante inteligente, mas muito pouco ético.
A matéria é constituída por oito parágrafos. Intencionalmente, o primeiro e os dois últimos fazem referência a Belo Monte, além do título. Pretende-se que o leitor desatento inicie e termine a leitura achando se tratar de um artigo sobre a geração de energia por Belo Monte. Todavia, os cinco outros parágrafos referem-se à extensão dos programas de eletrificação rural do governo federal, cuja energia será transmitida a partir de linhões de alta tensão indo de Tucuruí, no rio Tocantins, até a Ilha do Marajó. Nada a ver, portanto, com o rio Xingu, Belo Monte ou a região de Altamira.
Mas o texto tem a intenção de forjar mais esta calúnia. O primeiro parágrafo é esclarecedor. Fala em um investimento de R$ 550 milhões para “assegurar energia para 20 mil residências da região”. E novamente a associação de palavras gera uma equação matemática pouco confiável: investimento + Luz Para Todos + Xingu + Belo Monte = energia para vinte mil famílias.
O paradoxo de Tucuruí não será evitado, como afirma o governo estadual. Ele vai se repetir, pois o objetivo de Belo Monte não é gerar energia para as comunidades locais. E isto está explícito nas conclusões do EIA/RIMA. Os moradores dos municípios vizinhos a Belo Monte farão o mesmo que seus pares de Tucuruí: vão olhar para cima e ver o linhão passar, enquanto suas casas ficam sem luz.
A “esperteza” do governo é prometer energia elétrica, sem dizer de onde virá, nem quando estará disponível, fazendo crer, com o jogo de palavras, que ela virá logo, em razão da construção de Belo Monte. Lendo o escorregadio artigo, tem-se a impressão de que será construído um linhão para levar energia de Tucuruí para Altamira e entorno. Mas não há nada afirmando isso. E quando seria? Após a conclusão da primeira e segunda etapas do Linhão do Marajó? Apenas a título de informação: o anúncio do início da obra ocorreu em 19/03/2009; o lançamento da primeira etapa, em 25/09/2009; e o início do levantamento topográfico para a definição do local de instalação das torres, somente em 06/05/2010. Isso apenas da primeira etapa do Linhão do Marajó, com previsão de ser concluído em 18 meses.
Supondo que o linhão para o Xingu seja construído somente após o do Marajó, no ritmo atual, a energia chegaria em Altamira em meados de 2016. Isso se os prazos forem cumpridos. Interessante, é que na página do Luz Para Todos, na internet, fala-se que durante a execução do programa (2003-2008) foram localizadas “novas famílias sem energia elétrica em casa”, fato que ocasionou a sua prorrogação, “para ser concluído no ano de 2010”. Isso nos deixa com algumas dúvidas: ou essa estória tem número demais ou tem informação de menos.
O leitor mais atento pode fazer uma séria crítica ao parágrafo acima, pois o Linhão do Marajó não está incluído no Programa Luz Para Todos, mas sim no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. E essa é mais uma confusão proposital observada na matéria veiculada na página do governo estadual. Como as obras do PAC ainda estão em execução, sendo que algumas nem saíram do papel, é mais interessante canalizar as informações sobre a ampliação do fornecimento de energia para um programa que será encerrado dentro do período de gestão do atual governo de Ana Júlia. Tenta-se dar a impressão de que todas as obras de eletrificação rural estão relacionadas ao Luz Para Todos e, portanto, serão concluídas ainda no atual mandato. E isso é especialmente oportuno para um chefe do Executivo que busca a reeleição no final deste ano.
Depois de viajar pelo Marajó, os dois últimos parágrafos retornam às informações sobre Belo Monte. Um olhar minucioso aos números apresentados enterra, em definitivo, a farsa de dizer que a hidrelétrica no Xingu será responsável por fornecer luz para as residências da população local. Se considerarmos os 11 mil MW supostamente gerados nos meses de cheia do rio, a reserva de 20%, que ficará no Pará, segundo afirmação do governo, seria suficiente para atender a demanda de 1.200 MW necessários para o funcionamento das duas indústrias de alumina que se instalariam no estado e ainda sobraria. Se considerarmos os 4 mil MW de média mensal, a conta é outra: 20% de 4.000 são 800 MW. Ou seja, vai faltar energia, não sobrar. Traduzindo: a hidrelétrica de Belo Monte não vai gerar energia para as residências dos municípios do Xingu, mas sim para as grandes indústrias do estado e de outras regiões do país. Isto é o que dizem os números do próprio governo.
Por fim, vamos fazer um exercício de paciência, e com extrema boa vontade, acreditar que o título do texto governista fale a verdade e será garantida energia aos municípios vizinhos de Belo Monte, antes mesmo da construção da hidrelétrica. Ora, mas o discurso daqueles que são favoráveis ao projeto da barragem no Xingu não é, justamente, de que Belo Monte é essencial para levar energia e desenvolvimento para Altamira e região? O próprio governo estadual acaba de desmenti-los, pois está prometendo levar energia para os municípios do Xingu, sem a necessidade de construir o Belo Monstro.
Mauricio Santos Matos, licenciado em Artes, servidor público do estado, membro do Comitê Metropolitano Xingu Vivo Para Sempre
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