Nós
saimos da ocupação da usina Belo Monte e viemos dialogar com o
governo.
Nós
não fizemos um acordo com vocês. Nós aceitamos a reunião em
Brasília porque, quanto mais nós dizíamos que não sairíamos de
lá, mais policiais vocês mandavam para o canteiro de obras. E no
mesmo dia em que seríamos tirados à força pela sua polícia, vocês
mataram um parente Terena no Mato Grosso do Sul. Então nós
decidimos que não queríamos outro morto. Nós evitamos uma
tragédia, vocês não. Vocês não evitam tragédias, vocês
executam.
Viemos
aqui falar para vocês da outra tragédia que iremos lutar para
evitar: a perda do nosso território e da nossa vida. Nós não
viemos negociar com vocês, porque não se negocia nem território
nem vida. Nós somos contra a construção de barragens que matam a
terra indígena, porque elas matam a cultura quando matam o peixe e
afogam a terra. E isso mata a gente sem precisar de arma. Vocês
continuam matando muito. Vocês simplesmente matam muito. Vocês já
mataram demais, faz 513 anos.
Não
viemos conversar só sobre uma barragem no Tapajós, como vocês
estão falando na imprensa. Nós viemos a Brasília exigir a
suspensão dos estudos e das obras de barragem nos rios Xingu, rio
Tapajós e rio Teles Pires. Vocês não estão falando apenas com o
povo Munduruku. Vocês estão falando com os Xipaya, Kayapó, Arara,
Tupinambá e com todos os povos que estão juntos nessa luta, porque
essa é uma luta grande e de todos.
Nós
não trouxemos listas de pedidos. Nós somos contra as barragens.
Exigimos o compromisso do governo federal em consultar e garantir o
direito a veto a projetos que destroem a gente.
Mas
não. Vocês atropelam tudo e fazem o que querem. E para isso, vocês
fazem de tudo para dividir os povos indígenas. Nós viemos aqui
dizer para vocês pararem, porque nós vamos resistir juntos e
unidos. Estamos reunidos há 35 dias em Altamira, e por 17 dias nós
ocupamos a principal hidrelétrica que vocês estão construindo.
Junto dessa carta nós estamos mandando todas as cartas das duas
ocupações que realizamos. Leiam tudo com atenção para entender
nosso movimento. E assim respeitá-lo, o que vocês não fizeram até
hoje.
O
desrespeito não vem só nas palavras. Vem na ação de vocês.
Na
região da Volta Grande do Xingu, tudo está sendo destruído e
virado de cabeça para baixo, desde que vocês liberaram a construção
da barragem Belo Monte. Todos estão muito tristes e apenas os ricos
ficaram bem. Os parentes brigaram muito. Até os trabalhadores da
obra sofrem.
No
Tapajós e Teles Pires, vocês estão começando agora, mas já nos
desrespeitaram muito.
Em
agosto de 2012, os seus pesquisadores começaram a invadir nossas
terras e pegar nossos animais e plantas e contar hectares e medir a
água e furar nossa terra.
Em
outubro, a Funai e a Eletrobrás disseram em reunião que as
barragens iriam sair de qualquer jeito, com nós querendo ou não
querendo. E que colocariam força policial na nossa terra se fosse
necessário.
Em
novembro, a polícia federal atacou e destruiu a aldeia Teles Pires,
onde somos todos contra as barragens. Adenilson Munduruku foi
assassinado com três tiros e outros 19 indígenas foram feridos. No
final do mês nós fomos a Brasília denunciar a operação da
polícia ao Ministério da Justiça, Funai e Secretaria Geral da
Presidência da República. Também fomos ao Ministério Público
Federal.
Em
janeiro de 2013, fizemos uma grande assembleia Munduruku na aldeia
Sai Cinza, onde foi entregue ao funcionário da Secretaria Geral da
Presidência da República um documento com 33 pontos de
reivindicação.
No
mês seguinte, nós fomos novamente à Brasília exigir alguma
resposta da Secretaria Geral da Presidência sobre os 33 pontos.
Conseguimos encontrar o ministro, mas ele ignorou nossas
reivindicações e tentou fazer com que nós assinássemos um
documento aceitando as hidrelétricas do rio Tapajós.
Para
garantir à força os estudos das barragens, em março de 2013 o
governo baixa um decreto que autoriza a entrada das tropas policiais
em nossas terras. Um dia depois nossas aldeias foram invadidas por
pelotões de policiais.
No
Teles Pires, foram encontrados ossos de parentes, muito antigos.
Vocês estão destruindo um lugar sagrado.
Nós
não pudemos aceitar mais isso. Por isso, ocupamos seu canteiro
trazendo nossa reivindicação, exigindo do governo o compromisso em
respeitar os povos originários desse país, em respeitar nosso
direito à terra e à vida. Ou, pelo menos, respeitar a sua própria
lei - a Constituição e os tratados internacionais que vocês
assinam. Mas vocês querem destruir as leis que protegem nós, povos
indígenas, com outras leis e decretos novos. Vocês querem legalizar
destruição.
E
agora chegamos aqui com vocês. Esperando que afinal vocês nos
ouçam, ao invés de ouvir aqueles que pagam suas campanhas. Ainda
que vocês não estejam dispostos a aprender a ouvir, nós estamos
dispostos a ensinar.
Canteiro
de obras de Belo Monte, Vitória do Xingu, 4 de junho de 2013
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