segunda-feira, 17 de maio de 2010

BELO MONTE: O QUE DIRIA O BRASILEIRO ESTUDIOSO

Recentemente, em dois de fevereiro de 2010, foi aprovado o licenciamento ambiental para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Não por acaso, ao final de 2009, o então diretor de licenciamento do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) pediu demissão admitindo sentir grande pressão do governo pela aprovação da obra. Com essa e outras demissões de fim de ano, o projeto que foi discutido por cerca de duas décadas passou a ser rapidamente aprovado, mesmo contando com 40 condicionantes.

Não sou especialista no assunto, mas condicionantes são ações e medidas sugeridas para reduzir impactos, consertar e complementar os Relatórios de Impacto Ambiental e Estudo do Meio. 40 condicionantes? O número é maior do que o de capítulos do próprio EIA/RIMA!

O EIA foi minuciosamente analisado, interpretado e criticado por brasileiros estudiosos, que voluntariamente disponibilizaram seu tempo para gerar essa análise crítica. Tal projeto levou o nome de painel de especialistas, formado por 32 doutores e seis mestres e especialistas em diversas áreas da Ciência. Foram muitas as falhas apontadas pelo estudo, da onde foram selecionadas 40 a serem resolvidas para a liberação da licença.

Já quem defende, e atropela as condicionantes para que a obra se inicie o mais rápido possível não são doutores ou dedicaram dias estudando e pesquisando. A esmagadora maioria dos defensores de Belo Monte não possui títulos acadêmicos, nem ao menos analisaram a viabilidade econômica, ecológica e social da empreitada. Ao menos uma das defensoras diz-se estudiosa, falsificando títulos de mestrado e doutorado, mas os fins não justiçam os meios. A “Dra.” Dilma, ao preencher seu currículo na Plataforma Lattes (um banco de dados do CNPq), dizia-se mestra e doutora pela Universidade Estadual de Campinas. Porém, segundo a Universidade, a ministra e atual candidata a presidência nunca finalizou mestrado ou doutorado, sendo jubilada em ambos por não cumprir os prazos da instituição. Atualmente seu currículo Lattes foi corrigido (para não gerar maiores constrangimentos) e pode ser acessado em:

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizavc.jsp?id=K44708688A9&.

Pelo menos 530 km2 (mais de 70.000 campos de futebol) de terras indígenas, florestas e propriedades rurais de povos ribeirinhos serão alagados para dar lugar à menina dos olhos de ministros como Edison Lobão e Dilma Rousseff, a obra odisséica do PAC (“Programa de Aceleração Colossal”). Pretendia-se alagar 1.500 km2 no primeiro planejamento, com o antigo nome de hidrelétrica de Kararaô. Segundo o ministro do meio ambiente Carlos Minc, a primeira tentativa de construção da barragem alagaria uma maior do que a capital do Estado do Pará!

Coincidentemente, a sede da FUNAI no município de Altamira, o município “carro chefe” da empreitada, foi “reestruturada” uma semana depois da aprovação da licença ambiental. O acontecimento desvia a atenção dos povos indígenas, da barragem para seus direitos feridos com a remoção da FUNAI de Altamira, o maior município do mundo e repleto de áreas indígenas.

Já sabemos o que pensam aqueles que dedicam suas vidas à pesquisa e também o que pensam os políticos favoráveis à obra. Mas, o que diria um dos brasileiros que melhor conheceu o Brasil, o multi-profissional Darcy Ribeiro (1922-1997), sobre tal aprovação e pressão crescente para construção de uma hidrelétrica imensa como Belo Monte? Infelizmente o antropólogo, educador, político e escritor nos deixou em fevereiro de 1997. Após 13 anos de seu falecimento, retomo aqui um texto desse autor, para nossa reflexão sobre o “crescimento”, desenvolvimento, educação e cultura em nosso país. O texto é uma compilação do livro Testemunho e é a trancrição de seu discurso na Universidade Paris VII (Universidade de Sorbonne), em 1978 da ocasião do recebimento do título de Doutor Honoris Causa.

Apesar de mais de 30 anos, o discurso é moderno, contemporâneo e leitura obrigatória para nossos políticos a favor da epopéia Belo Monte, que atualmente atropela os direitos humanos e do meio ambiente e prol de um projeto fundado ao fracasso.

“Senhoras e Senhores:

Obrigado, muito obrigado pelo honroso titulo que me conferem. Eu me pergunto se o mereci. Talvez sim, não, certamente, por qualquer feito, ou qualidade minha. Sim, como consolação de meus muitos fracassos.

Fracassei como antropólogo no propósito mais generoso que me propus: salvar os índios do Brasil. Sim, simplesmente salva-los. Isto foi o que quis.

Isto é o que tento a trinta anos, sem êxito.

Salva-los das atrocidades que conduziram tantos povos indígenas ao extermínio: mais de 80, sobre um total de 230, neste século.

Salva-los da expropriação de suas terras, da contaminação de suas águas e da dizimação da fauna e da flora que compunham o quadro de vida dentro do qual eles sabiam viver; mas cujo saqueio, desapropriação e corrupção convertem a eles também em mortos viventes.

Salva-los da amargura e do desengano, levados as suas aldeias, em nome da civilização, pelos missionários, pelos protetores oficiais, pelos cientistas e, sobretudo, pelos fazendeiros, que de mil modos lhes negam o mais elementar dos direitos: o de serem e permanecerem tal qual eles são.”

“...Fracassei por igual, nos dois objetivos maiores que me propus como político e como homem de governo: o de realizar a Reforma Agrária e de por sob controle do Estado o capital estrangeiro de caráter mais aventureiro e voraz.

A Reforma Agrária que queríamos consistiria em entregar um parcela da imensidade de terras de meu pais – mais de 8 milhões de quilômetros quadrados – a nossa não menos imensa população – cerca de 120 milhões de habitantes – na forma de propriedades familiares de 20 a 50 hectares. O que se fez, efetivamente, nestes 15 anos de governo militar, foi estender mais o latifúndio sobre o pais. Agora é a Floresta Amazônica que eles loteiam em glebas de 500 mil, de um milhão, de um milhão e meio de hectares, como propriedades gigantescas as quais o trabalhador brasileiro continua atado em condições de servidão.

Em lugar de submeter as empresas multinacionais ao controle do Estado, o que se fez, no Brasil, foi entregar o Estado as multinacionais e estão montando no hemisfério inferior do planeta, não produzindo dólares, exigem um endividamento crescente de cada pais – O Brasil já deve cerca de 50 bilhões de dólares. Mas, como as do Caribe, produzem fartamente ditadura, repressão, violências e tortura.

Outro fracasso meu, nosso, que me dói especialmente rememorar neste augusto recinto da Sorbonne – mãe da universidade – foi o de Reitor da Universidade de Brasília. Tentamos lá, conjuntamente com o melhor da intelectualidade brasileira, e tentamos em vão, dar à nova capital do Brasil a universidade necessária ao desenvolvimento nacional autônomo... ...para atuar como um acelerador da história, que nos ajudasse a superar o círculo vicioso do subdesenvolvimento, que quanto mais progride mais gera dependência e subdesenvolvimento.

Desses fracassos da minha vida inteira, que são os únicos orgulhos que eu tenho dela, eu me sinto compensado pelo título que a Universidade de paris VII me confere aqui, agora. Compensado e estimulado a retornar minha luta contra o genocídio e o etnocídio das populações indígenas; e contra todos os que querem manter o povo brasileiro atado ao atraso e à dependência.”


José Eduardo Martinelli Filho

Professor da Universidade Federal do Pará, campus de Altamira

Mestre em ciências pela Universidade de São Paulo

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