O Dr. Rogério Cerqueira Leite veio à Folha defender o projeto da hidrelétrica de
Belo Monte (FSP 19/05/10). Apesar da baixa qualidade do texto, baseado mais
em ofensas do que em argumentos - chamou os críticos à usina de “ecopalermas”, “fanfarrões” e “pseudointelectuais”, entre outros -, por ter sido publicado neste jornal, tem grande potencial de desinformar.
Do ponto de vista ambiental, uma falha importante do artigo foi associar a perda de biodiversidade à área de florestas a ser inundada pela usina. Com base na área inundada, enquanto eu estava ignorante, eu também considerei Belo Monte um bom projeto. Os dois maiores impactos ambientais do projeto, no entanto, são: destruição de uma das maiores bacias hidrográficas do mundo e aceleração do desmatamento. Porque destruição da bacia? A alta produção de energia sem um grande lago não existe neste projeto. Belo Monte necessita de pelo menos mais uma represa no Rio Xingu (são
planejadas mais 5), para produzir energia o ano todo. O plano continua
sendo destruir toda a bacia com grandes barragens, o que será muito
difícil de impedir depois que a obra mais cara, Belo Monte, for
construída. Belo Monte também atrairia centenas de milhares de pessoas
para a região, sendo que ao final das obras restariam apenas 900 empregos
(dados do projeto). Não precisa ser sócio-economista para prever um aumento
incontrolável no desmatamento. Este aumento poderia ter sido previsto no
Estudo de Impacto Ambiental. Existe tecnologia para isto. Mas não foi
feito... ou não foi mostrado.
Leite diz que as espécies a serem extintas por Belo Monte já estão condenadas à extinção, pois teriam área muito restrita. O projeto prevê o deslocamento do rio para outro curso, deixando com um filete de água 100 km de corredeiras, em um trecho de extrema beleza do Rio Xingu, conhecido como Volta Grande. A Volta Grande é
considerada como "de importância biológica extremamente alta" pelo MMA,
com espécies endêmicas. Nos próprios estudos do projeto, 5 das equipes
que estudaram diferentes componentes da biodiversidade afirmam que a vazão
residual é insuficiente para impedir a destruição dos ecossistemas da
Volta Grande. Também são esperados impactos em outras áreas extremamente
importantes, como um arquipélago fluvial, cavernas, 30 terras indígenas e
12 unidades de conservação. Belo Monte é uma bomba a ser lançada sobre
uma região de alta biodiversidade que não está de forma alguma
condenada, se este projeto não for levado adiante. Ele diz que o índio
"... pouco ou nada sofrerá". Ninguém melhor do que eles para avaliar o
impacto da retirada do rio Xingu de suas aldeias (2 terras indígenas
estão nesta situação) e da imigração sem planejamento. Os índios têm
se reunido e tomam decisões com base nas experiências que outras tribos
estão tendo com outros projetos semelhantes. Falam com muita propriedade.
Ele diz que as hidrelétricas reduzem as emissões de gazes de efeito
estufa. Este é um erro grave, afinal o Dr. Rogério Leite é físico.
Hidrelétricas produzem metano, pelo menos 25 vezes pior do que CO2 na promoção
do efeito estufa. Estudos sobre o aproveitamento hidroelétrico do Xingu,
indicam que ele seria tão ruim ou até pior do que termoelétricas capazes
de gerar energia equivalente. Isto sem contar com o carbono da aceleração
do desmatamento, nossa principal contribuição para o aquecimento global.
É uma verdade inconveniente abafada no Brasil. Há muito para ser
dito: Fomos oficialmente chamados a Brasília para debater Belo Monte no
Senado e no Ministério Público Federal e comparecemos, mas os defensores do projeto não foram, porque ele é tecnicamente indefensável. O licenciamento ambiental para
hidrelétricas na Amazônia caiu por terra. Os analistas do IBAMA, em um
ato de heroísmo, disseram não para Belo Monte, mas o IBAMA disse sim.
Ações judiciais são suspensas em poucas horas e congeladas (não são julgadas). Belo Monte é um castelo de cartas do ponto de vista jurídico, que se for derrubado poderá ser um marco na interrupção deste processo (daí a necessidade de desqualificar nossas
críticas diante da opinião pública). Precisamos de mais seriedade dos
veículos de informação ao tratar de um tema tão sério e complexo. A
Amazônia é nossa principal responsabilidade no controle da destruição
de todos os ecossistemas do mundo.
Hermes Fonsêca de Medeiros , 37, biólogo, mestre e doutor em Ecologia
pela UNICAMP, é professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) e faz
parte do Painel de Especialistas para Avaliação Independente dos Estudos
de Impacto Ambiental de Belo Monte.
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