terça-feira, 5 de julho de 2011

Falando a verdade sobre Belo Monte e o Plano Decenal de Energia

Telma Monteiro
O governo federal divulgou o Plano Decenal de Energia (PDE) 2020 com prazo para consulta que expirou em 01 de julho. O PDE incorpora o planejamento energético para um horizonte de dez anos que vai sendo adequado ano a ano. Este, em especial, não traz novidades, mas confirma a intenção de fazer acordos e estudos com outros países para gerar energia "limpa e barata".
Em apresentações na Holanda[1] e na Suiça[2] provei que esse discurso do governo brasileiro é falso. Que a energia prevista para ser gerada na Amazônia – não só lá, é verdade – não é limpa e nem barata. Incrível como os europeus que me prestigiaram com suas presenças nas palestras, entenderam a mensagem e, incrédulos, me perguntaram: se o governo de Dilma sabe tudo isso porque continua com esses planos?
Nem precisarei reproduzir aqui a minha resposta. Entre as pessoas presentes estavam jovens estudantes, poucos brasileiros, professores, organizações de diversos setores da sociedade, ativistas, jornalistas e espiões. Todos ansiosos por entender, entre outras coisas, o projeto de Belo Monte. Não tive dificuldade nenhuma em explicar como esse empreendimento pode pôr em risco o clima do planeta, já que ele, além de ser uma catástrofe, é também uma espécie de portão aberto para a entrada dos demais projetos na Amazônia. O desmatamento está aí para comprovar, assim como os impactos negativos que já assolam a região de Altamira.
Coincidentemente, a divulgação do PDE 2020 se deu num dia anterior à minha palestra em Basiléia. À apresentação que eu havia preparado acrescentei uma tabela extraída do PDE onde constam as grandes hidrelétricas previstas para o Brasil todo. Dez delas na Amazônia, nos rios Tapajós, Jamanxim e Teles Pires, para serem construídas no horizonte entre 2016 e 2020. Belo Monte, com obras iniciadas, já é carta fora do baralho do governo.
O PDE, expliquei, ainda prevê outras seis usinas no Peru, uma na Bolívia, outra na Guiana e duas na Argentina, para consumo exclusivo do Brasil. Ohh! Fez a platéia. Então, como é óbvio, não deixaram de fazer a pergunta que todos temos nos feito: porque o Brasil precisa de toda essa energia? Eu tentei responder.
Expliquei que o governo brasileiro quer transformar o Brasil na quinta economia do mundo e que para isso entende ser preciso sair fazendo hidrelétricas nas Américas do Sul e Central. Raciocínio que bem qualifica o caráter imperialista das nossas autoridades do setor de energia, insinuaram algumas pessoas. Também esclareci que tais projetos serão facilmente viabilizados por processos de licenciamento irregulares, através de tratados internacionais questionáveis. O Brasil pretende ter o monopólio da energia com a Eletrobras e suas subsidiárias, estatais financiadas pelo BNDES.
Tentei também mostrar os fundamentos do planejamento energético brasileiro; a visão tacanha que o governo federal tem da economia mundial a ponto de projetar um crescimento mirabolante das exportações brasileiras e atrelar isso à oferta de energia. Falar aos europeus sobre a sofreguidão das indústrias eletrointensivas pela tal da energia "barata" que se sobrepõe à integridade da Amazônia e seus povos, foi um tanto difícil. Entre outras coisas quiseram saber como a sociedade brasileira encara todas essas perspectivas e onde estam previstos os incentivos às energias alternativas – eólica e solar. Também foi difícil a resposta.
A engrenagem do judiciário brasileiro e as pressões políticas que sofre, foi outro "costume" difícil de esclarecer. Esse emaranhado em que as leis são interpretadas de diferentes maneiras pelos juízes, conforme a conveniência do momento ou o interesse do governo, também causou preocupação e surpresa.
O governo quer inserir o Brasil na economia mundial a reboque da dinâmica dos paises que mais crescem. Aí está o grande erro, falei, pois são os setores de alumínio – inclusive alumina e bauxita –, siderurgia – aço bruto –, ferroligas, pelotização, cobre, celulose e papel, soda-cloro, petroquímica e cimento que respondem por 40% do consumo industrial. São eles que usam essa energia subsidiada. Subsidiada porque no preço não estão os custos ambientais e sociais das hidrelétricas construídas à custa da sobrevivência de povos indígenas, populações tradicionais e do bioma amazônico. Esses custos pagamos nós.
Mas o que o governo brasileiro quer mesmo e que está bem claro no PDE 2020, é desenvolver uma integração energética entre os países latino-americanos. São para isso suas investidas na geração de energia na bacia amazônica. O discurso das autoridades brasileiras, mundo afora, mostram um país ungido que dispõe de energia "limpa e barata". Mas omite a ambição de gerar energia também nos países vizinhos, fazendo hidrelétricas na floresta.
Lógico que consegui mais atenção e surpresa geral quando disse que todo esse aparato energético para as Américas havia começado com Lula que delegou à Dilma sua continuidade. Sem diálogo, sem consultas aos povos indígenas, sem ouvir à sociedade – acadêmicos, cientistas, especialistas e pesquisadores. Sem planos alternativos.
É difícil, confesso, desmistificar essa imagem que o Brasil criou. Mas esse início me pareceu bom, já que pelo menos aqueles que conversaram comigo, se mostraram convencidos depois de tomar conhecimento da verdade. Dois jornalistas fizeram matérias muito claras e objetivas sobre tudo que foi dito.
Precisamos de mais oportunidades como essa: falar a verdade fora daqui. E assim o governo vai entender que enganar a todos o tempo todo é bem mais difícil.


[1] A convite da Both ENDS, para apresentar o relatório Hidrelétricas e hidrovias na bacia do rio Tapajós: Dilemas e desafios nas relações entre Holanda-Brasil, fevereiro 2011; disponível em http://dl.dropbox.com/u/11462043/Hidrel%C3%A9tricas%20e%20Hidrovias%20na%20bacia%20do%20rio%20Tapaj%C3%B3s%20final.pdf
[2] A convite da Society for Threatened Peoples (STP), Suiça, para três palestras nas cidades de Berna, Zurique e Basiléia, sobre o projeto de Belo Monte e a ameça aos povos indígenas

Um comentário:

  1. Angra 3 vai custar quase R$ 10 bilhões e ficará pronta em 2015
    Conclusão do projeto da usina nuclear se dará três décadas após o ínicio de sua construção

    BBC Brasil | 06/07/2011 09:15
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    Texto:
    selo

    Se não houver nenhum imprevisto pelo caminho, a usina de Angra 3 deve ficar pronta em 2015, três décadas após o início de sua construção. As obras devem custar R$ 9,95 bilhões, segundo a última revisão orçamentária feita pela Eletrosul, em junho de 2010.

    De acordo com a Eletrosul, 70% dos gastos serão efetuados no país. O restante seria justamente a quantia pendente do financiamento indireto do governo alemão, por meio de subsídios à empresa que fornecerá equipamento à usina, a francesa Areva, que produzirá as peças na Alemanha, segundo a ONG Urgewald.

    Contatada pela BBC, a direção da Areva não deu retorno à reportagem para confirmar o valor exato do montante.

    Segundo a Eletronuclear, o complexo de Angra é hoje responsável por 3% do fornecimento de energia ao país. No Estado do Rio de Janeiro, as centrais nucleares de Angra dos Reis respondem por 50% da energia consumida no Estado.
    ALEMANHA VAI NA CONTRA MÃO E PRETENDE DESATIVAR SUAS USINAS NUCLEARES ATÉ 2022.
    Brasil-Alemanha

    O programa nuclear brasileiro teve início em 1968, quando o regime militar resolveu construir a primeira usina nuclear do país, em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro.

    Em 1975, o Brasil assinou um acordo nuclear com a Alemanha, que se dispôs a construir os reatores nucleares e a transferir tecnologia de enriquecimento de urânio para a produção de energia.

    O acordo também previa a compra de equipamentos da empresa KWU, subsidiária da Siemens.
    Em 1982, Angra 1 começou a operar e tiveram início as obras de Angra 2 e Angra 3. A última teve a construção interrompida quatro anos depois.

    O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) autorizou a retomada de Angra 3 em 2007, seis anos após o início das operações de Angra 2. Em 2008, o Ibama concedeu licença prévia ambiental à nova usina, que ainda não possui uma licença permanente.

    Um ano depois, a empresa francesa Areva assinou um contrato de prestação de serviços com a Eletronuclear para fornecer serviços de engenharia e administração a Angra 3, segundo o site da fabricante.

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