A recomendação é um instrumento previsto em lei usado pelo MPF para alertar autoridades públicas e particulares sobre irregularidades detectadas
1. Belo Monte é um projeto que apresenta inconsistências técnicas desde antes dos Estudos de Impactos Ambientais e que vai consumir mais de R$ 30 bilhões de dinheiro público, com gravíssimos problemas sociais, ambientais e financeiros apontados por cientistas e pelos atingidos. Nesse cenário, é normal que a atuação do MPF ao fiscalizar provoque tensões e o Conselho Nacional do Ministério Público seja acionado.
2. Neste sentido, causa estranheza as sucessivas tentativas de intimidação contra os membros do Ministério Público Federal que vêm apontando irregularidades no empreendimento, tendo como capítulo mais recente o referido pedido de providências.
3. Essa é a terceira vez que o Conselho é acionado por causa da fiscalização do projeto de Belo Monte. As duas representações anteriores foram arquivadas por incabíveis – tanto a que buscava afastar o procurador Rodrigo Timóteo da Costa e Silva e o promotor Raimundo Moraes do caso quanto a que, mais recentemente, tentou afastar o procurador Felício Pontes Jr.
4. A recomendação é um instrumento previsto em lei usado pelo MPF para alertar autoridades públicas e particulares sobre irregularidades detectadas. É também recurso para deixar transparente, para os servidores públicos envolvidos no licenciamento e para os advogados da União, qual é o entendimento do MP sobre determinado assunto, com o objetivo de se tentar evitar a sua judicialização. No caso de Belo Monte, todas as recomendações foram sucedidas por ações judiciais que, ao contrário do que diz a AGU, ainda estão pendentes de julgamento.
5. Qualquer pessoa que consulte o andamento dos processos sobre a usina de Belo Monte poderá constatar que não é verdade que a Justiça tenha se pronunciado definitivamente sobre o caso, como a AGU insiste em afirmar no pedido de providências e em várias outras oportunidades, parecendo desconhecer a diferença entre decisões liminares e decisões de mérito.
6. Pelo contrário: apenas um de 10 processos iniciados pelo MPF chegou a transitar em julgado, com reconhecimento por todas as instâncias do Judiciário de que o procedimento do governo ao tentar licenciar a usina em nível estadual era ilegal. Outros quatro processos aguardam julgamento na segunda instância e cinco nem foram ainda apreciados no mérito na primeira instância.
7. O que a AGU chama de “decisões atestando a regularidade” do licenciamento de Belo Monte não passam, na verdade, de suspensões de segurança ou tutelas antecipadas – decisões urgentes, provisórias, precárias – obtidas para viabilizar a continuidade do empreendimento sem que se aguarde a conclusão do devido processo legal e que, como é sabido de todos, não precisam sequer analisar o mérito da demanda.
8. A AGU, embora alegue interesse numa solução rápida para as pendências judiciais de Belo Monte, pediu adiamento do julgamento da ação que está mais próxima de ter uma decisão final: aquela que discute o direito constitucional dos povos indígenas de serem ouvidos antes da decisão legislativa de construir a hidrelétrica. É justamente o assunto que levou o Brasil a sofrer sanção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, já que se trata, além de previsão constitucional, de garantia firmada em tratado internacional.
9. Mesmo sendo questão fundamental para o caso, a AGU pediu que fosse adiado o julgamento do processo na véspera da sessão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que deveria ter acontecido no dia 22 de novembro de 2010. Alegou que precisava apresentar uma nova tese jurídica sobre o caso. O MPF espera que a AGU permita o julgamento mais célere dos processos sobre Belo Monte evitando o efeito do fato consumado e trazendo segurança jurídica à sociedade e e a todos os atores do processo.
10. O MPF vai continuar recomendando aos servidores do Ibama que respeitem a legislação ambiental, os direitos da sociedade brasileira e os pareceres técnicos do próprio Ibama, como fez quando o Decreto Legislativo 788/2005 foi sancionado em desacordo com a Constituição, quando os Estudos de Impacto foram aceitos incompletos, quando os pedidos de audiências públicas dos atingidos não foram atendidos, quando a Licença Prévia foi emitida em desacordo com os pareceres técnicos do próprio Ibama e quando uma Licença Parcial de Instalação sem previsão nenhuma na legislação ambiental foi liberada pelo governo.
11. Se o governo não atender a última recomendação do MPF, mais uma vez descumprindo a legislação ambiental e desrespeitando o direito da sociedade brasileira ao meio ambiente equilibrado, emitindo mais uma licença – dessa vez de Instalação – que contraria os próprios estudos e exigências técnicas do Ibama, o MPF voltará a acionar a Justiça, como é seu dever constitucional.
12. A busca perante o Poder Judiciário da defesa dos bens e direitos que cabe ao MPF promover jamais pode ser tachada de ameaça ou mesmo assédio moral, pois se trata do exercício das prerrogativas constitucionais e legais do MPF.
13. Finalmente, quando o assunto é intimidação, nunca é demais lembrar que as representações e ameaças de processo da Advocacia Geral da União contra membros do MP pela fiscalização do projeto Belo Monte estão entre os motivos que levaram a sociedade civil a denunciar o governo brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e mais recentemente à Organização das Nações Unidas.
Fonte: Ministério Público Federal no Pará
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