Para os índios, construção de hidrelétrica não significa apenas inundação da terra: ali dentro, estão animais, floresta e todo um ciclo de cultura
Os problemas gerados pela construção de hidrelétricas em terras indígenas, o atraso na assinatura do Estatuto dos Povos Indígenas e a necessidade de implementação do Conselho Nacional de Política Indigenista serão alguns dos temas discutidos durante o Acampamento Terra Livre, que reúne lideranças de todo o país. O acampamento foi aberto ontem (2) e vai até quinta-feira (5) na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Segundo o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul, Cretã Kaingang, um dos líderes presentes ao evento, um dos principais problemas para os índios que não vivem na Amazônia são as hidrelétricas de pequeno porte, que acabam tomando parte de suas terras, normalmente menores do que as do Norte do país. Às vezes, as terras até mesmo desaparecem com a inundação do lago da represa, disse Cretã Kaingang.
Para um não índio, a construção de uma hidrelétrica significa apenas que parte da terra será inundada. Para um índio, não. “Ali dentro estão os animais, a floresta, há todo um ciclo de cultura. Ali estão nossos antepassados. Na nossa região estão sendo instaladas hidrelétricas de pequeno porte que acabam com a nossa terra, que já é pequena”, afirmou.
De acordo com o líder Kaingang, os índios são também marginalizados pelas autoridades que deveriam protegê-los. “Hoje temos que lutar para demarcar a nossa terra. O governo tem feito um discurso bonito fora do país, tem acatado parte das leis de direito internacional, mas, na hora que tem que cumpri-las, nosso país não o faz. As lideranças que têm lutado estão se tornando marginais e são consideradas invasoras. Só que a terra é nossa”, denunciou.
Ele também disse que os índios sofrem com a falta de moradia adequada. Segundo Kaingang, muitos dos índios de sua região vivem debaixo de lonas. “Na Amazônia, a maioria das terras está demarcada, mas nós, que estamos no Sul e no Nordeste, estamos debaixo de lona, com filhos que se tornam adultos e continuam debaixo dessa lona. O Estado tem faltado muito conosco”, declarou.
Marcos Aporinã, um dos coordenadores das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, pediu agilidade na votação do Estatuto dos Povos Indígenas, que está desde 1991 em discussão no Congresso Nacional. “Até agora, porém, não há uma resposta positiva que faça diferença para nossos povos.”
Para ele, outro ponto importante é o Programa Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas, que pode servir como uma “estratégia política” para preservar os próprios índios e a biodiversidade das suas terras.
No acampamento, também deverá ser discutida a implementação do Conselho Nacional de Política Indigenista que, segundo Aporinã, vai dar autonomia aos povos indígenas, que poderão ter uma representação que garanta seus direitos constitucionais.
Na quinta-feira, último dia do acampamento, as lideranças indígenas esperam ser recebidas pela presidenta Dilma Rousseff, para entregar uma carta com as principais reivindicações do grupo. “Não somos bichos, somos seres humanos. Votamos, pagamos nossos impostos e esperamos ser recebidos [pela presidenta] para entregarmos as nossas reivindicações”, afirmou Aporimã.
A organização do acampamento estima a participação de cerca de 800 lideranças indígenas no evento, de hoje até quinta-feira.
Reportagem de Roberta Lopes, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 03/05/2011
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