Publicado em 09 de novembro de 2011
Em novo julgamento da Ação Civil Pública (ACP) 2006.39.03.000711-8 (que questiona a não realização de oitivas indígenas no processo de licenciamento de Belo Monte, como manda a Constituição), realizado nesta quarta, 9, pelo Tribunal Regional Federal da primeira região (TRF1) em Brasília, a desembargadora Maria do Carmo votou pelo indeferimento da ACP. Último voto do processo (que ja contava com um voto favorável e outro contrário), Carmo desempatou o julgamento defendendo a tese do governo, de que não há impacto quando as obras ou a barragem não incidem diretamente nas Terras Indígenas e, portanto, é desnecessária a realização de consultas. Depois, afirmou que “pouco importa quando os índios serão ouvidos, se antes ou depois da autorização do Congresso”, afirmou a desembargadora.
Para a advogada Biviany Rojas, do Instituto Socioambiental, que tem acompanhado o caso, o voto da desembargadora Maria do Carmo equivale à anulação de um artigo da Constituição. “Ao dizer que tanto faz se os indígenas são ouvidos, tanto faz quando e como, que os índios não serão considerados mesmo, Maria do Carmo apaga e anula o dispositivo do parágrafo 3o do artigo 231 da Constituição Federal. Com seu voto, afirma que a Constituição do país é irrelevante”.
Segundo o procurador do Ministério Público Federal Felício Pontes Jr., é temeroso que o TRF1, que já votou unanimemente pelo deferimento da ACP em 2006, se contradiga agora com esta nova decisão, e que não considere que o processo vem violando tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Neste sentido, avalia o jurista Carlos Marés, ex-presidente da Funai e atual procurador-geral do Paraná, a leitura da procuradora Maria do Carmo sobre a legislação nacional e os acordos internacionais contem um equivoco primário. “Tanto a Constituição quanto a Convenção 169 da OIT garantem aos povos indígenas não apenas o território do ponto de vista físico, mas o direito de viver e interagir com o ambiente de acordo com suas tradições, costumes e culturas. Isto é muito claro em todos os textos”. Segundo Marés, se 100 km do Xingu vão secar, o impacto sobre as populações e seus modos de vida é tão ou mais brutal do que eventuais alagamentos de seus territórios – cuja não ocorrência no caso de Belo Monte tem sido utilizada pelo governo para afirmar que os indígenas não sofrerão impactos.
Sobre esta mesma questão, o MPF impetrou uma outra ACP em agosto deste ano. Oferecida na Justiça Federal de Belém, a Ação se baseia nas constatações do Estudo de Impacto Ambiental e dos Estudos Antropológicos da Funai para afirmar que, por causa dos graves impactos ambientais, haverá forçosamente a remoção das populações indígenas que vivem na Volta Grande do Xingu. “Todos os documentos que embasam o licenciamento ambiental apontam para a mesma conclusão: haverá mudança drástica na cadeia alimentar e econômica das populações indígenas e a remoção se tornará inevitável. Os dois povos diretamente afetados são os Juruna da Terra Indígena Paquiçamba, na margem direita da Volta Grande e os Arara, da Terra Indígena Arara da Volta Grande, na margem esquerda”, afirma o MPF.
Para as lideranças das populações indígenas que já estão sendo afetadas pelas obras de Belo Monte na região de Altamira, a decisão da procuradora Maria do Carmo equivale a assinatura de uma sentença de morte. “Esta decisão comprova que não há isenção da Justiça nesse país, que com um pouco de pressão o governo tudo pode, tudo consegue, tudo compra. Não temos mais ilusão de que o governo ou a Justiça tenham algum apreço pela Constituição do nosso país quando são os nossos direitos que estão em pauta. Podemos contar apenas com a nossa luta. Mas a desembargadora pode estar certa de que não esqueceremos jamais o que ela nos causou no dia de hoje. O peso desse voto contra nós ficará sobre ela para sempre”, afirma Sheyla Juruna, do Movimento Xingu Vivo para Sempre.
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